O péssimo hábito de não lavar as mãos

O poder do grupo supera, muitas vezes, as noções individuais de certo e errado.

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“O ato de lavar as mãos foi um dos maiores avanços da medicina” dr/Nathan Dumlao via Unsplash
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Cinco adolescentes de mochila às costas irrompem na casa de banho de um centro comercial em Cascais quando me dirigia para o lavatório. Educados, cederam-me passagem numa zona mais estreita e dirigiram-se à mais reservada área dos urinóis. Segui para o lavatório.

A operação de lavagem das mãos nos novos lavatórios que equipam a maioria dos centros comerciais não é fácil. Em nome da poupança de água, com a qual concordo, entenda-se, a maioria das torneiras é uma espécie de fonte anémica, distribuindo muito pouca água em cada descarga. Depois, para complicar, os sensores de disparo são, regra geral, pouco sensíveis, não sendo raro ver alguém a impacientar-se enquanto passa uma mão (ou as duas) repetidamente em frente ou por baixo da torneira para forçar a descarga. Por fim, os distribuidores de sabonete libertam cada vez menos sabonete. Tudo isto, mais a secagem (demorada) no ventilador, faz com que a lavagem das mãos seja demorada. Tão demorada que quando os adolescentes regressaram dos urinóis eu ainda me encontrava em frente ao lavatório. A algazarra que faziam chamou-me a atenção e olhei-os através do espelho.

Os cinco rapazes dirigiram-se à zona dos lavatórios e todos, menos um, deram início a rotinas de afinação estética enquanto caminhavam, olhando o espelho de soslaio: um penteou o cabelo, outro puxou as calças para cima, outro apertou o pulôver à cintura e outro ajeitou o pulôver nos ombros. O quinto destoou do grupo e aproximou-se do lavatório com a notória intenção de iniciar o ritual de lavar as mãos. Todavia, no exato momento em que dirigia a mão para procurar o sensor da torneira adormecida, reparou que os demais se dirigiam à saída da casa de banho e encolheu o braço e seguiu-os. Eu permaneci com as mãos debaixo do secador enquanto pensava no que um dia ouvi um médico dizer na televisão durante a pandemia da covid-19: “O ato de lavar as mãos foi um dos maiores avanços da medicina”.

Todavia, mesmo com esse conhecimento disseminado, a cena a que assisti na casa de banho do centro comercial confirma que o ato de lavar as mãos é muitas vezes ignorado, revelando uma preocupante ausência de compromisso com a higiene pessoal (neste caso foram adolescentes, mas o mal é geral) e a influência do grupo sobre o comportamento individual. A primeira lição, mais óbvia, que daqui podemos extrair é a negligência em matéria de saúde que muitas pessoas têm para consigo próprias e para com os outros, sendo isso, não há como chamá-lo de outra coisa, um atentado à saúde pública.

A segunda lição, mais subtil, é o peso do grupo sobre o indivíduo. O adolescente que inicialmente mostrou disposição para a higiene, abandonou a ideia quando percebeu que os seus colegas não eram tão zelosos. O poder do grupo supera, muitas vezes, as noções individuais de certo e errado. Neste caso, transformou um rapaz asseado (assim pareceu) num desleixado. “Ah, mas não terem lavado as mãos uma vez não quer dizer nada!” Não concordo, acho que quer dizer alguma coisa. Muita até.

Deixei a casa de banho e entrei na zona da restauração. O grupo de adolescentes estava estacionado no balcão de um restaurante. À vez, fizeram os seus pedidos.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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