Os direitos das crianças em situação de conflito armado

Os dados apresentados pela UNICEF, em junho de 2023, não podem deixar ninguém indiferente, quando vemos que o número de crianças que vivem em zonas de conflito duplicou nos últimos 30 anos.

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Começou por ser uma notícia chocante, mas rapidamente passou a fazer parte do nosso dia a dia assistirmos aos sucessivos casos de violação dos direitos das crianças em todo o mundo em zonas de conflito armado, desde Gaza à Ucrânia, da região do Sahel ao Iémen e a Myanmar. Nem mesmo o recente acordo para suspensão dos combates entre o Hamas e Israel, por quatro dias, para libertação de mulheres e crianças reféns do Hamas em troca de mulheres e crianças palestinianos detidos por Israel a um ritmo de conta-gotas (grupos de 12/13 reféns por dia) nos leva acreditar que a situação dos reféns e a ajuda humanitária são uma prioridade para as partes envolvidas neste conflito.

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Família palestiniana aproveita o cessar-fogo para se dirigir ao sul de Gaza EPA/MOHAMMED SABER

O Comunicado do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, no passado dia 1 de novembro, a propósito do impacto devastador nas crianças do conflito entre Israel e o Hamas, é um apelo às partes envolvidas no conflito, a todos os líderes mundiais e a todos nós. Não podemos ficar indiferentes perante a situação e achar que não é da nossa responsabilidade. Temos de juntar a nossa voz à dos que apelam às partes envolvidas para que protejam todas as crianças e prestem o cuidado e apoio adequados, incluindo físico e psicológico, tal como previsto pelo Direito Internacional Humanitário.

Passados 34 anos desde a adoção da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, as crianças enfrentam mais uma vez novas ameaças e violações, pondo à prova a capacidade de resposta e o compromisso dos países à escala global para assegurar a proteção e bem-estar das crianças que vivem em situações de conflito armado, de deslocação forçada e de crises humanitárias prolongadas.

Nestes cenários, as crianças têm direito a uma proteção especial ao abrigo do Direito Internacional Humanitário e dos Direitos Humanos, e devem ter prioridade na ação humanitária. De acordo com o artigo 38.º da Convenção, os Estados têm a obrigação de respeitar e fazer respeitar as regras do Direito Internacional Humanitário e de tomar todas as medidas possíveis para garantir a proteção e os cuidados das crianças afetadas por conflitos armados. Esta obrigação é reforçada ainda pelo Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados, assim como pelas duas Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, 1612 e 2254, que reforçam o quadro de proteção em situação de conflito armado. A Resolução 2712, de 15 deste mês de novembro, a primeira relativa à atual crise humanitária e de reféns na Faixa de Gaza, resultante do conflito entre Israel e o Hamas, põe em relevo a necessidade urgente de proteção das crianças.

Aos Estados exige-se que cumpram o que está estabelecido no Direito Internacional Humanitário e na Convenção, e que vai desde o respeito pela vida e integridade física e moral das crianças à proteção atenção às suas necessidades e circunstâncias específicas. A par disso, as crianças "devem ser objeto de um respeito especial e protegidas contra qualquer forma de atentado ao pudor" e "devem receber os cuidados e a assistência de que necessitem", incluindo educação (respetivamente, Protocolo I, art. 77.º e Protocolo II, art. 4.º, adicionais à Convenção de Genebra).

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Criança brinca com munições deixadas no terreno durante os confrontos entre os militares sublevados e o exército regular em Cartum, Sudão (Maio de 2023) REUTERS/Mohamed Nureldin Abdallah

Os dados apresentados pela UNICEF, em junho de 2023, não podem deixar ninguém indiferente, quando vemos que o número de crianças que vivem em zonas de conflito duplicou nos últimos 30 anos. Entre 2005 e 2022, registaram-se 315.000 violações graves contra crianças em zonas de conflitos armados, em áreas como na África, Ásia, Médio Oriente e América Latina. Estas violações incluem mais de 120.000 crianças mortas ou mutiladas; pelo menos 105.000 crianças recrutadas ou utilizadas por forças armadas ou grupos armados; mais de 32.500 crianças raptadas; e mais de 16.000 crianças sujeitas a violência sexual. A par disso, a UNICEF também registou mais de 16.000 ataques a escolas e hospitais e mais de 22.000 casos em que o acesso humanitário às crianças foi negado, sendo provável que o número real de vítimas seja muito superior. Para além disso, muitos milhões de crianças foram deslocadas das suas casas e comunidades, perderam amigos ou familiares, ou foram separadas dos seus pais ou cuidadores.

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Evacuação da cidade ucraniana de Irpin, durante um ataque das forças russas, em Marços de 2022 REUTERS/Oleksandr Ratushniak

Temos uma responsabilidade partilhada, e devemos estar conscientes dos impactos devastadores que os conflitos armados têm na vida das crianças e no seu futuro. Todas as crianças merecem uma infância saudável e segura, um desenvolvimento pleno e harmonioso das suas capacidades, num ambiente familiar, escolar e comunitário que as apoie e estimule. Isto significa um compromisso internacional renovado na promoção e proteção dos direitos da criança, baseado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 e alicerçado nos princípios gerais da Convenção: o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento; a não discriminação; o respeito pelo superior interesse da criança e pela sua própria opinião nos assuntos que lhe dizem respeito.

Para todas as Crianças, Todos os Direitos.

As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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