A mesma São

Olhou para a mão amputada e de repente sentiu que lhe faltava muito mais do que apenas uma mão.

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O Carlos, a quem chamavam O Urso, casou-se com a São, imediatamente antes de partir para Angola. Convidou o Moisés para padrinho, ainda este estava no hospital. O amigo achou curiosa a coincidência de o Urso ir casar-se com uma Maria da Conceição. Disse que também ele iria fazer o mesmo, que engraçado, a mulher por quem me apaixonei tem esse mesmo nome. É um nome comum, disse o Urso, desvalorizando a coincidência. Levou a mão ao bolso das calças, espera, disse ele, não está neste, achava que sim, deve estar aqui no da camisa, tenho uma foto dela, da minha São, já te mostro, aqui está ela. O Urso desdobrou a fotografia, que tal, é jeitosa ou quê? Aposto que a minha São é melhor do que a tua. O Moisés gaguejou. Até ficaste sem palavras, pá, disse o Urso, aproximando a fotografia da cara do amigo. O Urso e a São, lado a lado, a preto e branco, de mãos dadas, ela com o seu olhar tímido, apontado ao chão, mas exibindo um sorriso, ele, bem mais alto, olhando para ela de cima para baixo, muito sério. Estava fardado. Numa das mãos segurava a boina, na outra segurava a mão dela. O Moisés ficou alguns segundos a fixar a fotografia, tentando perceber se não haveria ali um equívoco, poderia ser uma outra São, muito parecida. Depois de concluir que eram a mesma pessoa, tentou negar a realidade, não pode ser, não pode ser. Mas era. Como fora ela capaz, perguntava-se o Moisés, ainda sem querer aceitar aquela situação. Olhou para a mão amputada e de repente sentiu que lhe faltava muito mais do que apenas uma mão. Disse ao Urso que precisava de ir à casa de banho, levantando-se de repente da cama. Passados alguns minutos, o amigo aproximou-se da porta. Isso demora muito? Tenho de ir, pá, mas depois falamos, temos de acertar os pormenores. Espero que tenhas um fato janota.

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