Pensar o futuro no país que desistiu do professor, com o contributo dos professores

A percentagem do PIB para a Educação desceu, entre 2000 e 2021, de 6,3 para 4,6 e a perda do poder de compra no ensino será de 30% em comparação com 2009.

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As políticas inspiradas nuns rapazes de Chicago triunfaram em toda a linha, e o capitalismo democrático tornou-se incapaz de redistribuir melhor e remunerar bem o emprego. Martin Wolf, do Financial Times, resume o desespero: “Estamos numa batalha para convencer as pessoas de que a democracia é o melhor sistema”. O regime está ameaçado a partir do seu interior e do topo. Olhe-se para as eminências instaladas e para os pequenos tiranetes: crescem em número, sentem-se impunes e julgam-se invisíveis. Não se culpem os extremos nem a rua pela corrosão.

A Educação está no centro do turbilhão, e a escola faz escola. Pensar o seu futuro exige recuar à natureza das coisas e às causas da falta estrutural de professores e do aumento brutal das desigualdades educativas: cortes na percentagem do Produto Interno Bruto para a Educação (PIB-Ed); cheque-ensino ou políticas afins, com o Orçamento do Estado (OE) a financiar fracassadas empresas privadas da Educação; carreira de dirigentes escolares organizada em associações de classe e desligada do ensino real; sobreposição dos encarregados de educação nas decisões científicas e pedagógicas do professor; avaliação do professor baseada nos resultados dos alunos em exames – e remunerações em função disso – e com uma insana burocracia de prestação de contas; eliminação das reprovações, sem respostas não administrativas para os alunos “que não queriam aprender”; e racionamento curricular nos saberes humanísticos e artísticos, com quebra na qualidade das aprendizagens.

Esse vendaval chegou à Educação portuguesa nos governos de Durão Barroso e de José Sócrates, e a abordagem escolar dos 50 anos do 25 de Abril será em revolta contida. Objectivamente, a percentagem do PIB-Ed desceu, entre 2000 e 2021, de 6,3 para 4,6 e a perda do poder de compra no ensino será de 30% em comparação com 2009.

E apesar de tanta incerteza com o futuro, afirme-se que o país político desistiu tão estruturalmente do professor como imperativo democrático que o tornou irrecuperável na próxima década. Com o desprezo a eito da sua autoridade científica e pedagógica, mais de 80% dos que exercem a profissão não a aconselham e fariam o mesmo David Mourão Ferreira, Rómulo de Carvalho, Vergílio Ferreira e tantos outros que leccionaram no ensino não superior.

Foram duas décadas com o professor a tentar elevar aprendizagens em ciclos curriculares radicais e antagónicos mais à esquerda ou mais à direita capturados pelo ultraliberalismo. A Educação caiu para a terceira divisão do debate parlamentar e da orgânica dos governos. O substantivo “professor” só foi proclamado para transformar o ressentimento em votos.

A exclusão do professor apoiou-se no quarto poder; e se esse pilar não se escandalizou, também se definiu. O silêncio de analistas e comentadores só foi interrompido para criticar com veemência os naturais excessos em tantos e tão numerosos protestos. Aliás, não se nega o óbvio: há professores pouco educados, como nas restantes funções e profissões, com a deseducação a integrar os crimes de falsificação de documentos, dolo, tráfico de influência ou peculato. Mas as análises e opiniões nunca se centraram no essencial: desinstalar o quadro radical vigente.

A bem dizer, convoque-se a descontinuação da escola do caudilhismo, da parcialidade, do clientelismo e da apropriação arrivista dos cargos e do bem comum, como rampa de lançamento dos valores que degradam a democracia nos vários patamares e instituições. Recupere-se a escola como o laboratório da democracia, que faz da ética e da idoneidade os valores preciosos à prova de uma justiça que ainda é lenta e ineficaz.

Retome-se a confiança na palavra do professor. A doentia burocracia resultou dessa desconfiança. Prevaleceu uma espécie de “mangas-de-alpaca 2.0”, que transferiu para o digital a infernal Babel administrativa dos procedimentos repetidos, redundantes ou inúteis.

Reconquistem-se três imperativos democráticos na gestão das escolas: limitação inequívoca de mandatos, colegialidade e cadernos eleitorais abrangentes para sufrágios directos e universais. Efectivamente, os maiores inimigos do professor foram os próprios professores. Maria de Lurdes Rodrigues numa entrevista, na RTP1, em 9/11/2008, ano da histórica manifestação de 8 de Março que envolveu a maioria dos professores insere numa frase toda a argumentação deste texto: “Manifestaram-se para também intimidarem os que ficaram na escola a aplicar as políticas.”

Por outro lado, em Educação acerta-se quando se afirma que daqui por 20 anos veremos os resultados. Só que essa clareza manifesta tem desvantagens. Livra os governos, e o poder político, do julgamento em tempo útil e só os desespera em duas situações: quando não há professores para os alunos todos ou há eleições.

Em suma, a Educação promoveu as novas armas das democracias: divisão e separação. Foram duas décadas a consolidar o ambiente distópico da desconfiança, da desigualdade, do sofrimento e da autocracia. O momento é moralmente crítico. Crescem os extremismos e temem-se dias ainda mais tristes. A libertação exige o regresso ao equilíbrio, à esperança e à não-desistência. Crie-se um novo organograma e um clima saudável. Há soluções sustentáveis. Estude-se o que aqui se propôs antes das últimas legislativas e recomece-se.

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