PGR abre processo a procuradora que criticou o DCIAP: “Mantenho tudo o que escrevi”

“Procuradores que não hesitem em meios de recolha de prova intrusivos, humilhantes, necessários ou não, são o top da competência!”, ironizava Maria José Fernandes.

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A procuradora-geral da República ordenou a abertura de um processo de averiguação a Maria José Fernandes LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO
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Mesmo sob ameaça de processo disciplinar, a procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes mantém todas as críticas que teceu à actuação do Ministério Público. Vai ser aberto um processo de averiguações à magistrada, que, num artigo de opinião publicado na semana passada neste jornal, arrasou os métodos de investigação do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), noticiou a SIC e confirmou o PÚBLICO.

"Na sequência da publicação do artigo em referência [no jornal PÚBLICO] e de exposição remetida pelo director do DCIAP, a procuradora-geral da República determinou a instauração, nos termos do artigo 264.º do Estatuto do Ministério Público, de processo especial de averiguação, visando aferir da relevância disciplinar da conduta da subscritora daquele", esclareceu a PGR numa nota enviada à comunicação social.

Ainda segundo a PGR, "a procuradora-geral da República [Lucília Gago] deu conhecimento de tal instauração ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) na sessão do plenário de 22 de Novembro".

Com origem numa participação remetida à procuradora-geral da República pelo director do DCIAP, a averiguação poderá avançar para um processo disciplinar contra a magistrada, que, no artigo em causa, se insurgia contra a lentidão dos inquéritos a cargo de um departamento do Ministério Público onde “pontuam algumas prima donnas intocáveis e inamovíveis e onde a ‘falta de meios’, de peritos disto e daquilo é sempre a velha razão para os passos de tartaruga a que se movem as investigações”.

“Procuradores que não hesitem em meios de recolha de prova intrusivos, humilhantes, necessários ou não, são o top da competência!”, ironizava Maria José Fernandes. Que recordava o que se passou em Itália nos anos 80 e 90: “A actuação autónoma dos procuradores era de tal ordem que começou a criar graves problemas de desestabilização e até de oportunismo político. Foi necessário introduzir normas de equilíbrio, ali por via de regulamentação interna.”

Para a magistrada, permitiu-se “a criação de uma bruma de auto-suficiência totalmente nefasta e contrária ao que deve ser a qualidade e a excelência”, como demonstra, no seu entender, o resultado de vários julgamentos, leia-se as absolvições dos arguidos.

Contactada pelo PÚBLICO, Maria José Fernandes diz ainda não ter sido notificada da averiguação, mas diz-se segura de não ter violado nenhum dever estatutário. “Mantenho tudo o que escrevi, sejam quais forem as consequências”, declara, acrescentando que aguarda com serenidade o desenrolar do processo.

No mesmo artigo, a procuradora-geral adjunta alertava para o perigo de haver, no Ministério Público, quem olhe para a investigação criminal como uma extensão de poder sobre outros poderes, sobretudo os de natureza política. "Daí que sejamos surpreendidos, de vez em quando, com buscas cuja utilidade e necessidade é nenhuma", apontava.

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