Com mais três exposições canceladas, Ai Weiwei acusa Lisson Gallery de querer “abafar” a sua posição sobre Israel

Declarações do artista motivaram cancelamento de exposição na Lisson Gallery de Londres. Outras três exposições do dissidente chinês já foram canceladas em Nova Iorque, Paris e Berlim.

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Ai Weiwei fotografado em 2021 em Serralves, no Porto Paulo Pimenta
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O artista Ai Weiwei contrariou esta quinta-feira a versão da influente Lisson Gallery sobre o cancelamento da sua exposição em Londres na sequência de um comentário que o dissidente chinês publicou sobre a relação especial entre Israel e os Estados Unidos. Não houve, diz, nem acordo mútuo nem “longas conversas” que teriam levado as partes a considerar que esta “não é a altura certa” para mostrar os seus novos trabalhos. Diz o artista que o cancelamento foi “abrupto” e “desconcertante” e que é um sinal de um movimento mais amplo destinado “a abafar vozes”.

Num comunicado enviado ao site especializado Hyperallergic, Ai Weiwei torna pública a sua segunda reacção à suspensão “por tempo indeterminado”, nas palavras da galeria de Londres, da exposição. A primeira dava conta de que o artista tinha concordado com a decisão “para evitar mais disputas”, e para preservar o seu “próprio bem-estar".

As novas declarações de Ai Weiwei são mais detalhadas sobre o processo que levou a este cancelamento. “Recebi uma notificação da galeria uns dias antes da inauguração. Basicamente acusei a recepção da mensagem deles que dava conta do cancelamento da minha exposição.” E acrescenta: “Tipicamente os curadores atribuem tais cancelamentos a razões não especificadas, pressupondo a compreensão sem comunicação explícita. Desta vez, no chamado mundo livre desde 2015, o cancelamento abrupto é desconcertante devido à sua motivação pouco clara, que faz lembrar [explicações vagas como] ‘aquilo que tu sabes’.”

A polémica nasceu na rede social X (antigo Twitter), onde, em resposta a uma interpelação de um dos seus seguidores, Ai Weiwei escreveu: “O sentimento de culpa em relação à perseguição do povo judeu tem sido, por vezes, usado para neutralizar o mundo árabe. Financeiramente, culturalmente e em termos de influência mediática, a comunidade judaica tem tido uma presença significativa nos Estados Unidos. O pacote anual de ajuda a Israel, no valor de três mil milhões de dólares, é, desde há décadas, considerado como um dos investimentos mais avultados que os Estados Unidos alguma vez fizeram. Esta parceria é frequentemente descrita como uma parceria fundada num destino partilhado." O post foi entretanto apagado.

“O facto de [o cancelamento] ter sido súbito é desconcertante, mas não me espanta; o que me surpreende é a aplicação de meios violentos para suprimir a expressão cultural na sociedade ostensivamente livre e democrática de hoje”, diz agora o artista. “Se a cultura é uma forma de ‘soft power’, isto representa um método de ‘soft violence’ destinado a abafar vozes [porque] não me visa somente a mim mas à cultura mais ampla de uma sociedade à qual falta um sistema imunitário espiritual”.

O artista, actualmente residente em Portugal, aproveita o comunicado enviado ao site Hyperallergic para fazer uma viagem ao passado e à sua infância na China comunista, onde o pai foi banido e proibido de escrever durante duas décadas, recordando a devastação provocada pela Revolução Cultural. Décadas depois, aponta, “várias galerias de várias partes do mundo, cerca de três ou quatro, enfrentaram cancelamentos recentes de exposições, todos envoltos em circunstâncias ambíguas", uma "tendência [que] sublinha a gravidade e o alcance da situação, atravessando origens geográficas muito diversificadas”.

A Lisson Gallery explicara a decisão de suspender a nova exposição de Ai Weiwei, em comunicado citado pelo site especializado The ArtNet, alegando que “não há lugar para um debate que possa ser caracterizado como anti-semita ou islamofóbico numa altura em que todos os esforços devem ser canalizados para pôr fim ao trágico sofrimento nos territórios israelita e palestiniano”. Reconhecendo que “Ai Weiwei é conhecido pelo seu apoio à liberdade de expressão e por defender os oprimidos”, frisou o seu respeito pela relação que, enquanto instituição, tem com o artista.

Até esta quarta-feira, não era claro se a exposição seria reagendada ou fora definitivamente cancelada. Mas entretanto, noticiam a BBC e outro site especializado, o The Art Newspaper, já foram canceladas mais três mostras de Ai Weiwei, uma das quais na sucursal da Lisson em Nova Iorque, agendada para Março, e as outras em Paris e em Berlim. A galeria ainda não reagiu às mais recentes declarações do artista, que por seu turno disse ao Hyperallergic que a sua relação com a Lisson “depende muito da decisão deles”.

O conflito israelo-palestiniano agudizou-se drasticamente após os ataques de 7 de Outubro do Hamas contra Israel. Decorrido mais de um mês de guerra, já morreram mais de 11 mil palestinianos e mais de 1200 israelitas, segundo dados da televisão Al-Jazira.

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