Uma efeméride – Gonçalo Ribeiro Telles

Conservação da Natureza e Ordenamento do Território passaram a ser, depois de Gonçalo Ribeiro Telles, os alicerces fundamentais de uma política ambiental eficaz e actuante.

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Neste 11 de Novembro de 2023 passam três anos sobre o falecimento de Gonçalo Ribeiro Telles (G.R.T.) –​ uma efeméride que ficará despercebida a quem não interessa guardar memória do legado que ele nos deixou.

É útil recordar o leit motiv das suas propostas desde várias décadas atrás, com as quais o país adquiriu a concepção, que já nessa época era europeia e universal, de que a Natureza explorada pelo Homem só subsiste nos seus ciclos eco energéticos e, portanto, na sua perenidade, se forem respeitados os limites de renovação dos ecossistemas que suportam a vida. Foi com ele, e com os antecedentes de Francisco Caldeira Cabral, que em Portugal se passou a olhar para a Conservação da Natureza (CN) não apenas como um ornamento ou como a romântica protecção dos passarinhos e das flores silvestres, mas antes como um processo vital de gestão dos ecossistemas.

E perante a degradação, também já acentuada nessa altura, que as actividades humanas impõem à paisagem, ele demonstrou ser obrigatório, indispensável, um Ordenamento do Território (OT) como processo de base técnico-científica para a organização do espaço biofísico em que vivemos, e que devia ser a ferramenta capaz de travar a referida degradação. Com o OT​ apoiado em bases fornecidas pela análise das potencialidades e capacidades do território, a actividade humana enquadra-se nos limites da Natureza.

Assim CN e OT passaram a ser, depois de Gonçalo Ribeiro Telles, os alicerces fundamentais de uma política ambiental eficaz e actuante.

Como muitos de nós sabemos (mas alguns fazem por esquecer…) foi a G.R.T. que se ficaram a dever os primeiros meios legislativos, o esqueleto, da Política de Ambiente e Qualidade de Vida; as Áreas Protegidas, a Reserva Ecológica Nacional (REN), a Reserva Agrícola Nacional (RAN), os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT) e os Planos Directores Municipais (PDM) que aguentaram minimamente o país perante um crescimento por vezes anárquico que se procurava promover, nomeadamente a certo nível local e mantendo a unidade do sector agro-florestal como essência da governança da res rustica. Tratava-se, como disse G.R.T., de assegurar a socialização da paisagem. Aquelas medidas, sempre contestadas pelos “produtivistas”, estão agora a ser cada vez menos respeitadas, como convém à nova ordem liberalista.

Nas últimas décadas foi seguida uma deriva neoliberal impulsionada pela União Europeia, e vimos isso quer de governos ditos social-democratas (subsídios aos pequenos agricultores para deixarem de produzir, extinção dos serviços de Extensão Rural que eram indispensáveis para renovar a agricultura e atrair gente nova ao sector) quer de governos ditos socialistas (extinção dos Serviços Florestais, que geriam a área florestal portuguesa, a defendiam dos fogos rurais e se opunham ética e cientificamente à expansão desregrada da indústria da celulose; ruptura completa do sector agro-florestal, acabando de vez com a sábia gestão baseada no ager-saltus-silva). Porquê? Porque assim se diminui a presença do Estado e se deixa terreno livre para os privados das agro-indústrias. E embora os liberalistas que defendem desde o século XIX o liberalismo económico e social – que há décadas prejudica a democracia ocidental, como lembrou Joseph Stiglitz achem que ainda é pouco, a verdade é que estamos a navegar nas mãos dessa mentalidade que, como no mito da hidra, quando lhe cortam uma cabeça, faz nascer outras.

Nada destas políticas têm a ver com Gonçalo Ribeiro Telles.

O desrespeito pelo OT está a fazer deste um instrumento político nas mãos duma “coesão territorial” política, quer dizer abrir estradas e outras intervenções que agradem a alguns, em vez de cumprir os exigentes critérios de um OT correcto integrado no Ambiente; e a CN deixou de ser suporte basilar das decisões sobre o Ambiente, privilegiando-se agora os atentados à biodiversidade em nome duma alegada e pusilânime “imprescindibilidade do interesse público”.

Tudo isto, toda esta perda da noção de equilíbrio da governação e do respeito pelos valores fundamentais do nosso território ainda por cima sob a ameaça concreta das alterações climáticas (que muitos consideram ser apenas mais um ciclo passageiro) –, passa infelizmente ao lado da maioria da nossa população desmobilizada e mais interessada em sobreviver à conjuntura do dia-a-dia que a asfixia.

Se ninguém tem o direito de se considerar herdeiro das ideias de G.R.T., aqueles que sempre acreditaram nas suas propostas e estiveram com elas têm obrigação de as evocar, nem que seja apenas para memória futura,

Certamente que esta efeméride passará a ser considerada pelo tempo fora como um marco indelével da vida intelectual e política portuguesa.

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