O que tinha de ser feito
O país precisa de um Governo forte, num momento de crise internacional, com uma liderança reconhecida pelos portugueses e confiada através do voto popular.
1. Ao demitir-se, o primeiro-ministro António Costa fez o que tinha de ser feito. Como bem disse, o exercício das suas funções não é compatível com a suspeita que sobre ele foi criada e tornada pública.
O primeiro-ministro agiu com grande sentido de responsabilidade e respeito pelas instituições e é importante sublinhá-lo, porque esta é provavelmente a maior crise institucional do nosso período constitucional. Esse mesmo sentido de responsabilidade é requerido pelo bom funcionamento de uma sociedade democrática a todas as instituições envolvidas numa crise política desta natureza.
A divulgação de que há uma investigação judicial em curso no foro competente sobre “a invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção” só é aceitável se baseada na convicção por parte de quem a investiga de que há relevância na matéria a apurar. E nós, como sociedade, confiámos à magistratura do Ministério Público o papel fundamental de nos dar a garantia, entre muitas outras, de que não são praticados crimes no exercício de funções públicas.
Conheço António Costa desde a juventude e tenho a certeza absoluta de que não é pessoa corruptível. Uma convicção que se estende a todos os arguidos do processo que conheço. Muito provavelmente não será indiciado nem julgado pela prática de qualquer crime e nem sequer, possivelmente, constituído arguido. Mas o dano à sua reputação pessoal e à reputação do país está feito, aconteça o que acontecer a partir de agora.
Não existindo indícios que fundamentem uma acusação e posteriormente uma condenação de António Costa, como é a minha convicção total que não existem, temos de pensar que não basta no futuro ele ser indemnizado civilmente pelo Estado pelos seus danos pessoais. Sem colocar em questão a autonomia do Ministério Público, o sistema político e o direito penal têm que dar garantias à sociedade de que o MP e um processo penal qualquer não colocam em questão a democracia e o Estado de direito. Uma garantia que hoje não temos.
2. O país tem de sair da crise em que está a partir de hoje colocado. Todos sabemos que há uma maioria absoluta obtida pelo PS em eleições recentes. Compreendo os que temem que eleições antecipadas, no clima que está criado, sejam vantajosas para os populistas, abutres que são. Bem sei que há uma tese que pressiona o Presidente da República a tomar como derrota pessoal uma dissolução da Assembleia da República sem que os eleitores a peçam e tenham dado sinais de querer mudanças de política. Mas creio que nenhuma destas objeções legítimas tenha força face à magnitude do risco político de um Governo com legitimidade reduzida.
Também neste ponto António Costa deu o sinal que se impunha quanto ao seu entendimento da gravidade do momento, deixando claro que não se recandidataria ao cargo de primeiro-ministro nas circunstâncias atuais.
O país precisa de um Governo forte, num momento de crise internacional, com uma liderança reconhecida pelos portugueses e confiada através do voto popular. O pior que nos poderia acontecer seria juntar um Governo enfraquecido ao cocktail de problemas que o país tem de enfrentar.
Estou convencido de que os eleitores sabem separar o trigo do joio. Faz parte do meu otimismo democrático. E desejo que escolham a via em que acredito, de um Governo com uma agenda de reformas estruturais progressistas. Mas o país pertence aos cidadãos, que farão as suas escolhas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico