A noite em que o “dinizmo” ofereceu a Libertadores ao Fluminense

A ausência de portugueses tornou a final da Libertadores menos relevante na agenda mediática portuguesa, mas o Maracanã teve um jogo de bom nível na nata do futebol sul-americano.

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Jogadores do Fluminense celebram no Rio Reuters/RICARDO MORAES
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O Fluminense é, pela primeira vez na história, o maior da América do Sul. Neste sábado, no Rio de Janeiro, o Flu de uma mera final perdida era um “menino” frente ao “velho” Boca, senhor de seis Taças dos Libertadores e de 13 finais. A equipa brasileira jogava a partida mais importante da sua história e chegou à glória com um triunfo por 2-1 (após prolongamento), “patrocinado” pelo “dinizmo”, a corrente de quem troca os fatos e a imagem sedutora pela sedução futebolística.

De fato de treino, cabelo no ar, barba por fazer e barriga proeminente, o treinador Fernando Diniz não emanou, na final jogada no Maracanã, uma aura de glamour – nem teria essa pretensão. Em Diniz – e no “dinizmo” –, o glamour está no futebol.

A alegada falta de predicados dos treinadores brasileiros é um tema antigo e recorrente, mesmo com cinco triunfos de clubes brasileiros nas últimas seis Libertadores. Mas este, o homem que também orienta, por agora, a selecção brasileira, é o homem que provou que a escola brasileira não precisa de importar técnicos. Por ali também se pode produzir treinadores modernos, vanguardistas e capazes de liderarem equipas de qualidade e de complexidade futebolística.

O conceito de “bom futebol” é vasto e discutível o suficiente para nele caberem o futebol de Diniz e, por exemplo, o do Palmeiras de Abel Ferreira, menos audaz e mais equilibrado. Troquemos, portanto, o “bom futebol” pelo “futebol complexo”. E se há coisa que Diniz oferece é complexidade.

O Fluminense não bate longo, não defende baixo nem tem um jogo rudimentar de cautela posicional e ataque à profundidade. No Flu, quer-se a bola – o máximo possível –, movimentação permanente, trocas posicionais, jogo entre linhas, superioridades numéricas, saída apoiada, triangulações, passes curtos e defesa alta. Pede-se, no fundo, domínio e complexidade na procura do golo. Pede-se “dinizmo”. E houve “dinizmo” nesta final no Rio de Janeiro.

De Keno para Cano

A jogar em casa, o Flu tomou conta do jogo, sempre com construção pouco “apertada” por um Boca de bloco médio-baixo.

Sempre à procura de passes verticais, o jogo do Flu era prejudicado, ainda assim, pelos momentos de marcação quase individual a PH Ganso, o “maestro” da equipa. Mas a sagacidade de Ganso fê-lo perceber que teria de sair da posição 10 para ter impacto no jogo, algo que começou a fazer depois de 20/25 minutos de jogo pouco felizes.

Com Ganso mais em jogo, fora da “teia” montada pelo Boca na zona central, o Flu tinha mais soluções. E foi aos 36’ que o “dinizmo” funcionou ainda mais. O Fluminense esqueceu os preceitos relacionados com um sistema de jogo fixo e, tal como prevê a filosofia de Diniz, provocou confusão com trocas posicionais.

Colocou no lado direito do campo, em simultâneo, os seus dois alas, o lateral-esquerdo Marcelo (também ele, como Ganso, há alguns minutos a procurar outras zonas para ser influente), Ganso e o lateral-direito. Foram cinco jogadores num curto espaço (três deles que “não deveriam” aparecer por ali) e o Boca não se ajustou a isso, até pela formatação mental para se preocupar apenas com o corredor central – “ofereceu” muitas vezes as alas de forma propositada.

Resultado: superioridade numérica que deu dois contra um no corredor e cruzamento de Keno, para finalização de Cano – que encontrou espaço mesmo numa situação de um contra três na área argentina.

Ex-Vitória decisivo

O golo sofrido seduziu o Boca a ter mais presença ofensiva, notando-se, porém, alguma incapacidade aplicar um risco equilibrado. A avidez ofensiva partiu a equipa em muitos momentos, dando ao Flu transições com muito espaço.

Até que houve empate inesperado. Aos 72’, num momento de inferioridade numérica, por lesão de Samuel Xavier, o peruano Advíncula, ex-jogador do Vitória de Setúbal, rematou de fora da área num raro momento de recuo brasileiro e aproveitou a má abordagem do guarda-redes Fábio, que teve má visão do lance e se lançou tarde.

A partir daí houve pouco jogo. Entre lesões e substituições, a partida esteve parada vezes sem conta, “roubando” o futebol.

No prolongamento, como em muitos outros momentos semelhantes em finais, o futebol foi de pouca audácia. As equipas tiveram mais medo de perder do que vontade de ganhar – e a premissa serve até para o Flu de Diniz.

Mas nem isso impediu o 2-1, num remate forte de John Kennedy, com nova assistência de Keno. No festejo, Kennedy, já com amarelo, foi advertido novamente e acabou expulso – estamos a falar de alguém que entrou aos 80’, viu um amarelo aos 89’, marcou os 101’ e foi expulso aos 102’.

A sorte de Kennedy, e do Flu, é que Fabbra agrediu Nino pouco depois e ficaram dez contra dez novamente. Era tudo aquilo de que os brasileiros precisavam para chamarem o melhor do seu “dinizmo” e controlarem, com o monopólio da bola, o que restava do prolongamento, mas o chamamento defensivo foi demasiado forte para ser contrariado. O Boca passou 15 minutos em redor da área brasileira, mas sem sucesso.

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