A revolta das caldeiras

Muitos autarcas se foram apropriando da ideia de que se pode justificar o abate de árvores adultas, até centenárias, plantando árvores jovens, em nome de um futuro distante, hipotecando o presente.

Ouça este artigo
00:00
03:29

Coimbra que, por estes dias, definha sob o frenesim de obras públicas, alimentadas com dinheiro europeu fácil, acordou para as suas ruas despidas de árvores.

O grito das árvores, que tombam, é silencioso. Ninguém as ouve, são abafadas pelo roncar das motosserras que, em minutos, derrubam dezenas ou centenas de anos com o seu testemunho vivo da vida da cidade. Sobram cotos, do que resta das árvores, agarrados ao chão. Fica a falta dos troncos imponentes, com os ramos e as ramagens que purificam o ar e dão sombra, que fazem vida e abrigam vida; pequenos paraísos, de verde vestidos, que alimentam as cidades.

A agenda política, inchada por egos e populismos, derruba árvores para justificar o injustificável com projetos que, em falsa narrativa, combatem as alterações climáticas e criam ilhas de sombra nas cidades..., derrubando árvores. Muitos autarcas se foram apropriando da ideia que se pode justificar o abate de árvores adultas, e mesmo centenárias, plantando árvores jovens, em nome de um futuro distante, hipotecando o presente e o futuro próximo. Como se as sombras que voltarão daqui a uma ou duas décadas limpassem os crimes ambientais que agora se cometem. Dizem que darão sombra um dia..., que um dia as cidades voltarão a ser locais com qualidade de vida.

Em Coimbra, grupos de cidadãos contestam a razia verde que invadiu as artérias urbanas... em Coimbra já não é possível calar a revolta dos cidadãos expostos à mentira de uma oposição que, feita poder, tudo esqueceu sobre a antiga narrativa “eco cool” e falsas promessas eleitorais. Agora... são novos tempos..., tempos em que a crise económica e a economia de guerra é bode expiatório e é argumento para tudo justificar.

“Quero ser uma árvore!” é um grito de alerta, é um sinal de inconformismo de cidadãos para quem em política não vale tudo; em política a mentira e o populismo não podem ser o combustível para chegar ao poder, queimando a cidadania e a democracia. “Quero ser uma árvore!” é um grito de revolta que emerge das caldeiras vazias daquilo que foi uma promessa de árvores nunca cumprida, ou de árvores feitas adultas que tombaram desnecessária e ingloriamente às mãos de falsos patriarcas do ambiente.

Foto
dr

Agora nasceram placas cidadãs nas caldeiras vazias. São largas dezenas de placas que, em Coimbra, tomaram os lugares das caldeiras com a inscrição “Quero ser uma árvore!”. Outros cidadãos, noutras cidades, poderão adotar este exemplo de cidadania participativa e reclamar outra abordagem do fraco poder político. Podemos dizer “eu também” e devemos reclamar espaços urbanos mais verdes e azuis, reclamar outra qualidade ambiental que crie de facto, e não destrua, ilhas de sombra. Reclamam-se novos espaços urbanos que ajudem no combate às alterações climáticas. Ambicionamos que as nossas cidades sejam outras cidades, viradas para as pessoas e não centradas em política betuminosa desenhada a régua e esquadro em gabinetes nos cantos escuros do poder político-económico, ignorando as pessoas. Cidades de cidadãos, cidades de cidadania, cidades de cultura e participação cidadã, cidades vivas, que criam qualidade de vida.

Quero ser uma árvore! Não quero ser uma caldeira vazia!

Quero ser um cidadão! Não quero ser um número! Não quero ser uma estatística que vota a cada ciclo eleitoral, como se o voto fosse um atestado que valida a mentira, que valida as falsas promessas e o populismo travestido de protetor do povo.

A cidadania, a democracia e a proteção do ambiente fazem parte do nosso futuro!

É tempo de dar voz aos cidadãos, é tempo de reclamar o futuro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 2 comentários