Metro do Porto: o inferno à superfície

Numa altura em que a Metro do Porto vai avançar com quatro novas linhas, é importante refletir sobre o impacto que a construção destes projetos tem nas vidas dos cidadãos que pretende servir.

Ouça este artigo
00:00
03:46

Lanço aqui um desafio aos leitores para quem a construção das novas linhas da Metro do Porto tem sido um não assunto: façam uma pesquisa online sobre Metro do Porto/ruído.

À vossa frente vai desfilar uma lista de notícias de jornais e reportagens de televisão sobre as múltiplas queixas dos moradores dos diferentes locais da cidade por onde passam os estaleiros de obras.

Mas não é normal que haja ruído nas obras do metro, perguntarão? A resposta é: é normal sim, mas aqui a questão é que o ruído de que se queixam muitos cidadãos do Porto (e de Lisboa, já agora) não acontece só durante o dia. Acontece durante a noite. Toda a noite. Dias e noites inteiras sem pausas. Noites seguidas sem pregar olho.

É insano. É desumano. Devia ser proibido. E é. Mas não para a Metro do Porto.

Desde março deste ano e até 31 de dezembro de 2024, por despacho assinado pelos secretários de Estado do Ambiente, Hugo Pires, e da Mobilidade Urbana, Jorge Delgado, a Metro do Porto está dispensada de cumprir os limites dos ruídos de obras tal como estão estipulados no Regulamento Geral do Ruído (RGR), Decreto-lei n.º 9/2007 que é o articulado que, basicamente, estipula as horas de descanso das pessoas durante as quais não é permitido fazer ruído.

O que é que isto significa? Significa que aquilo que o Estado considera fundamental para a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações – a proibição do “exercício de actividades ruidosas temporárias na proximidade de edifícios de habitação, aos sábados, domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20 e as 8 horas” – não se aplica às obras do Metro do Porto que beneficiam de uma Licença Especial de Ruído.

Ou seja, a lei que foi desenhada para proteger os cidadãos, criou um mecanismo para se defender de si própria. A Metro do Porto opera, portanto, ao abrigo de um regime de exceção para obras “em infra-estruturas de transporte cuja realização se revista de reconhecido interesse público”, como é o caso das novas linhas.

Porquê? Porque é que uma das atividades mais ruidosas, intensivas, longas e perturbadoras que acontecem no centro das cidades, afetando áreas de fortíssima densidade populacional, ao lado de escolas, hospitais, prédios de habitação, lojas, lares, hotéis, salas de espetáculos, está isenta de cumprir a lei que foi criada justamente para defender os cidadãos dos efeitos do ruído?

Esta é a questão fundamental. Eu, que tenho um estaleiro de obras da Metro do Porto debaixo da minha varanda, já me coloquei esta pergunta incontáveis vezes nas longas noites insones que agora fazem parte do meu quotidiano. Noites brancas a ouvir betoneiras, escavadoras, camiões a chegar e a partir, as vozes dos trabalhadores aos gritos no meio do barulho.

Porque necessita a Metro do Porto de trabalhar durante as horas de descanso dos portuenses durante meses a fio?

Porque é que a construção das novas linhas da Metro do Porto tem de ser feita à custa dos direitos dos cidadãos que pretende servir?

Porque é que o “interesse público” destas obras se sobrepõe ao direito ao repouso, ao sossego e ao sono que resultam do direito constitucional à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio?

Será falta de planeamento? Está a tentar recuperar tempo perdido? Está a tentar acabar mais cedo? Ajustar o tempo da obra a outros calendários?

Numa altura em que a Metro do Porto vai avançar com quatro novas linhas, é importante refletir e acautelar o impacto que a construção destes projetos tem nas vidas dos cidadãos. As medidas de minimização de impacto ambiental previstas, como barreiras acústicas e painéis acústicos, são completamente fúteis.

É tão simples quanto isto: a aposta na mobilidade das grandes cidades não pode fazer-se à custa da saúde mental e da qualidade de vida dos cidadãos. Ponto.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 9 comentários