Um retrato do jogo do empurra a partir do caso dos passes no Oeste

Reclamar sobre uma discriminação no acesso ao transporte público é entrar num jogo do empurra sem fim aparente.

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Os passes combinados da região Oeste com a Área Metropolitana de Lisboa (AML) têm um problema: não são combinados com a AML, promovendo uma discriminação entre utilizadores de transporte público. Reclamando, a espera torna-se longa. O regulador não responde e a administração pública não quer saber.

O PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária) trazia uma novidade que parecia imbatível: a simplificação dos tarifários e a redução do preço dos transportes públicos. O processo funcionou bem nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mas ainda há erros que persistem no que toca às Comunidades Intermunicipais (CIM).

Vejamos o caso da CIM Oeste. Na prática, um utilizador da região Oeste com um passe combinado com a Área Metropolitana de Lisboa percebe que tem apenas um passe combinado com o concelho de Lisboa. E, mesmo assim, apenas válido para viagens no Metro e na Carris, deixando, por exemplo, a CP de fora será que o utente do Oeste não financia a CP ao contrário dos restantes portugueses? Na prática, um passageiro de Torres Vedras que trabalhe em Oeiras não pode passar de Algés sem outro título de transporte, já que o passe combinado com a AML não lhe serve. As coroas que marcavam as regiões tarifárias deixaram de existir para quem é da Área Metropolitana de Lisboa, mas não para quem é de fora dela.

Contactada a Boa Viagem – um dos operadores do grupo Barraqueiro que opera carreiras inter-regionais com Lisboa – a resposta resume-se a numa frase: “A definição da bilhética, quer seja dos títulos como dos preços, é competência das autoridades de transporte, OESTECIM e AML, sendo o operador um mero executante”. Temos o primeiro concorrente no jogo do empurra. O operador passa para a autoridade de transportes e deixa a sua página da internet a mensagem de que vai multar os passageiros que somem o passe navegante metropolitano (da AML) com outro passe de linha, já que o único título válido nas carreiras inter-regionais é o combinado que não deixa os utilizadores saírem do concelho de Lisboa.

Reclamando com a Autoridade de Transportes da CIM Oeste a resposta é de que “o passe combinado com a AML contempla apenas a antiga coroa L, pois esta tipologia de passe advém de em acordos já existentes entres operadores”. E ainda deixa uma alfinetada ao Governo: “Importa referir que as verbas destinadas à execução do PART destinadas à OesteCIM é deficitária”.

Em Novembro de 2022, contacto o regulador Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. A resposta chega poucos dias depois: “Face à análise da queixa formulada (...) cumpre informar que a mesma se encontra em análise na AMT, pelo que, oportunamente, contactaremos V. Exa. a respeito do resultado das diligências a adoptar”. Foi há praticamente um ano e eu perdi a noção do que significava a palavra “oportunamente”. Até hoje nenhuma resposta foi recebida. Em Maio de 2023, faço queixa à provedora de Justiça por ausência de resposta do regulador. O processo é aberto, mas nem assim a AMT responde.

Enquanto a espera se faz longa, contacto o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) para perceber se tem conhecimento desta situação de discriminação no acesso aos transportes públicos para os utentes da região Oeste. Dois meses e meio depois de exposto o problema, o IMT refere que vai encaminhar a reclamação para os Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML) sobre “as falhas de serviço de transporte no âmbito da operação da Carris Metropolitana”. Em nenhum momento foram referidas falhas na Carris Metropolitana, mas o IMT achou que o problema era com esta empresa. A resposta expõe um preocupante desconhecimento do IMT sobre a realidade dos transportes públicos que nos devia preocupar a todos. Estamos no final de Outubro, o problema foi denunciado ao IMT no início de Junho e nenhuma resposta adicional aconteceu até hoje. Se o objectivo é tirar pessoas dos automóveis, o jogo do empurra está a funcionar lindamente.

Enquanto o problema não se resolve, muitos utilizadores da região Oeste pegam diariamente no seu carro em busca de uma paragem ou estação dentro da AML, seguindo depois em transporte público com o passe navegante metropolitano.

O PART foi uma boa medida para a região Oeste, uma vez que a maioria do preço dos passes se reduziu para metade, mas a vontade política de mudar uma discriminação flagrante no acesso ao transporte público parece ser mesmo próxima de zero. Reclamar é entrar num jogo do empurra sem fim aparente. Este relato é apenas mais um sintoma de que o discurso político está, tantas vezes, desalinhado com a realidade que milhares de portugueses enfrentam todos os dias.

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