Aumentar o IUC não vai combater a crise climática

Não, não somos fãs da medida do IUC. A justiça climática e a transição energética justa que defendemos são incompatíveis com toda a austeridade social, mesmo que mascarada de “verde”.

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Na passada sexta-feira responsabilizámos Fernando Medina, ministro das Finanças, pela sua falta de compromisso com a crise climática e com o nosso futuro.

Seis estudantes foram detidas nessa ocasião, por entre pisadelas nas mãos e tratamentos violentos por parte da polícia. Tudo isto em plena Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde à entrada se encontra uma placa de memória a Ribeiro Santos, estudante e militante antifascista morto pela PIDE nessa mesma faculdade.

Como Ribeiro Santos, hoje lutamos contra um sistema injusto que está a destruir milhares de vidas e a roubar o nosso futuro, tudo em nome do lucro. Qual a teimosia de não ver os paralelos, ou só quando as imagens de luta estão a preto e branco é que são justas e comoventes?

Mas, repressão do Estado às estudantes que ousam sonhar com um futuro diferente à parte, adiante. Serve este artigo de opinião para demarcar a luta estudantil pela justiça climática, assim como a Greve Climática Estudantil, do comentário tecido por Medina no momento do ataque com tinta: “Ao menos sei que tenho uma apoiante em relação à medida da subida do IUC.”

Compreendemos que, quando um ministro é surpreendido por estudantes a responsabilizarem-no pelo seu papel activo em queimarem o nosso futuro, pode ser difícil arranjar uma boa deixa para reagir no momento. É sempre confrangedor ser chamado à atenção por incompetência.

No entanto, queremos deixar bem claro que a justiça climática que defendemos não é compatível com meias medidas de ecoausteridade que invocam o planeta para piorar a situação de vida das pessoas, ao mesmo tempo que se revelam praticamente indiferentes face às reais e urgentes necessidades para realizar uma verdadeira transição justa e acabar com a economia fóssil dentro dos prazos ditados pela ciência.

Comecemos por partes.

1) A justiça climática e a transição energética justa que defendemos são incompatíveis com toda a austeridade social, mesmo que mascarada de “verde”.

No meio de uma crise de custo de vida, na qual a habitação está praticamente inacessível, os salários não acompanham a inflação, os preços sobem, e 1,7 milhões de portugueses estão em risco de pobreza, é de uma enorme injustiça social propor mais medidas que dificultem a vida das famílias e das pessoas.

Em 2022, os preços da electricidade e do gás foram das categorias que mais aumentaram e nas quais mais famílias têm dificuldade em acompanhar. Ao mesmo tempo, sabemos também que 2022 foi um ano de lucros recordes históricos para as empresas do sector energético, com a Galp a arrecadar uns vergonhosos 881 milhões de euros. Será coincidência? Não, de todo.

A crise energética e do custo de vida pode remontar na sua origem à mesma coisa: um sistema económico virado para o lucro, construído na base dos combustíveis fósseis e no qual os magnatas dos impérios da energia tudo determinam.

2) São os culpados que devem pagar os custos da transição energética, e não as pessoas. Justiça climática prende-se com a ideia fundamental de que existem culpados na crise climática (as empresas, os governos, e os ultra-ricos) e, muitas vezes, são os que menos contribuíram para a crise que mais vão ser afectados por ela.

Isto pode manifestar-se de várias formas: pior resiliência a catástrofes climáticas, menos acesso a cuidados de saúde; mas também em tentativas de fazer as pessoas que menos contribuíram para ela pagar pela crise. É óbvio que a transição energética justa, o fim aos fósseis até 2030 e a electricidade 100% renovável e acessível vão ter custos.

Agora, com os extraordinários lucros da Galp, porque é que não é a Galp, por exemplo, a pagar a transição? Afinal, o dinheiro para o bolso dos CEO e accionistas não caiu do céu: foi pago pelas pessoas comuns, sob a forma de aumento das contas.

De acordo com o relatório Empregos para o Clima, que propõe um roteiro justo para o corte de 85% das emissões até 2030 e a criação de 200 mil novos empregos relacionados com a transição justa, realizar esta mudança profunda custará entre 6 e 9 mil milhões de euros por ano, aproximadamente 3% do PIB da economia portuguesa. O relatório propõe diversas formas de financiar esta transição, e nenhuma delas implica aumento no custo de vida dos portugueses.

3) Aumentar o IUC não vai combater a crise climática. Mesmo assim, escrutinemos esta medida: será mesmo o aumento do IUC que vai fazer uma diferença no combate à crise climática? Face aos prazos que temos – acabar com a economia fóssil e cortar 85% das emissões nacionais de gases com efeito de estufa – não me parece.

Combater as emissões no sector dos transportes passa por ter transportes públicos electrificados, maciços, funcionais e gratuitos que permitam a uma pessoa prescindir muito mais facilmente do uso do carro; acabar com os voos fúteis de curta distância e abolir os jactos privados; apostar na mobilidade urbana verde, incluindo nas ciclovias; entre outras.

É só dar uma espreitadela às medidas propostas pelo Ministério da (in)Acção Climática, Duarte Cordeiro, para verificar que nada disto está a acontecer. Além disto, combater a crise climática com os prazos ditados pela ciência significa inequivocamente o fim do gás fóssil, a electricidade 100% renovável até 2025, o fecho e requalificação das centrais movidas a gás, o cancelamento de novos projectos emissores, como o novo aeroporto ou o novo gasoduto, entre outros. Nada disto está a acontecer.

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O ministro Duarte Cordeiro foi alvo de um protesto climático dia 26 de Setembro DR

A nossa casa está a arder e, apesar de todos os alarmes estarem a tocar, os governos e as instituições continuam a preferir agir como se estivessem a fazer o suficiente, tentando ao mesmo tempo reprimir e silenciar aqueles que se revoltam com esperança na mudança de sistema.

As instituições estão a falhar. O Governo não está a fazer suficiente. Atrás de uma retórica de Portugal ser um país “inovador” escondem-se meias medidas tão miseráveis que só uma classe política já completamente podre por dentro poderia dar como “suficientes”.

Suficiente é pôr o fim ao fóssil e transformar todo o sistema dentro dos prazos ditados pela ciência. Como sem futuro não há paz, até isto estar garantido nós não vamos parar de lutar – e convocamos todos os estudantes a juntarem-se à onda de acções estudantil pelo fim ao fóssil, a começar no dia 13 de Novembro.

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