Percevejos em Guimarães: “Está a ser estranho viver em função de um bichinho”

Os percevejos-asiáticos não estão a dar descanso aos moradores de Creixomil, em Guimarães, que exigem respostas. O maior problema, porém, pode ser para a agricultura.

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Percevejos em Guimarães Paulo Pimenta
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Empoleirado à entrada de um prédio na travessa Oneca Mendes, na freguesia de Creixomil, em Guimarães, avistamos um bicho castanho, de padrão marmóreo, com asas. A sua cor e morfologia não oferece dúvidas: estamos perante o percevejo-asiático, o insecto mais infame dos últimos dias em Portugal. Já foi encontrado em Lisboa, Castelo Branco, Chaves ou Braga, mas é em Guimarães que a sua presença tem sido mais notada. O bicho, embora não morda ou transmita doenças, aparece às centenas e não tem dado tréguas a quem ali vive: obriga ao fecho permanente de janelas e estores, e ao uso intensivo de insecticida.

A maioria das queixas chega de residentes de duas zonas habitacionais onde a vegetação é mais densa, paralelas a um dos troços da estrada nacional 105, uma das mais movimentadas de Guimarães. Na rua Arqueólogo Mário Cardoso, Maria Mendes relata que tem vivido um “autêntico filme de terror” ao longo das últimas duas semanas.

No seu apartamento no quinto andar, onde mora com a sua filha, apercebeu-se do aparecimento do percevejo-asiático enquanto fazia arrumações. No início não viu nada de anormal, uma vez que já tinha avistado estes insectos no passado, mas de repente, quando abriu um estore de uma outra janela, viu tudo “completamente cheio de percevejos de cima a baixo”. Mais tarde constatou que outros se começaram a instalar em outras partes da casa. “Como estava com as janelas abertas, eles entraram e descobri-os nos quartos, nas casas-de-banho, na cozinha. Odeio insectos e fiquei com o sistema nervoso… nem lhe digo!”, descreve.

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Um percevejo-asiático em Guimarães Paulo Pimenta

No dia seguinte contactou a Câmara Municipal de Guimarães e confirmaram-lhe a existência de uma praga. Disseram-lhe para fechar tudo e deitar insecticida que dali a uns dias os percevejos desapareciam. “Mas eles continuaram a entrar pelas frestas da janela e a meterem-se na caixilharia dos estores”. A moradora continuou a contactar a autarquia, informou o condomínio e a junta de freguesia, mas não lhe deram outra indicação a não ser aguardar.

O facto é que os percevejos persistem em aparecer em sua casa e o uso diário de insecticida já causa desagrado. “Este cheiro a insecticida, numa casa fechada, pode ser nocivo para mim e para a minha filha. Também não durmo sossegada porque não sei se eles vão para a roupa ou para os alimentos. Torna-se estranho viver em função de um bichinho”, lamenta.

Na travessa Oneca Mendes, o filme de Maria encontra paralelo no de Daniela Guimarães. A moradora também tem encontrado diariamente “centenas” de percevejos-asiáticos. No seu apartamento, onde nos recebeu, é notória a presença do insecto no interior e nas varandas. Saltitam e volta-e-meia aterram nas mesas e nas cadeiras da casa. Tudo permanece fechado e o insecticida é usado diariamente, mas os bichos teimam em aparecer.

O filho de Daniela, André, até já acordou a meio da noite com um deles pousado no braço. “Isto causa-me repulsa”, diz a moradora. De há duas semanas para cá tem insistido junto do município, com o envio de fotografias e vídeos, tendo inclusivamente enviado um e-mail ao ministério do Ambiente, tal o desespero. As respostas são nulas ou insatisfatórias. “Estou perplexa com a resposta da câmara porque me dizem que só vão tentar encontrar a origem da praga quando isto acalmar, mas isso é um insulto à minha inteligência”, atira.

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Os percevejos-asiáticos não atacam os humanos como os percevejos-de-cama, mas causam incómodo Paulo Pimenta

Não há perigo para a saúde pública, mas repulsa é “compreensível”

Tanto para Daniela como para Maria a solução passa pela poda das árvores próximas às respectivas zonas habitacionais. “Mesmo que o número de insectos diminua com a chegada do frio e da geada, não desisto até que a Câmara Municipal venha cá tratar destas árvores. É que isto vai voltar quando voltar o primeiro momento de calor”, alerta Daniela.

O calor e a própria vegetação em redor das habitações não serão, contudo, as principais causas para o aparecimento do percevejo-asiático em Guimarães. “A zona do Minho tem muitos pomares, é um misto entre zona urbana, periurbana e verde. Os primeiros percevejos-asiáticos terão surgido em anos anteriores em menor população e agora que a população é grande continuam por lá”, explica João Loureiro, biólogo do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e um dos investigadores principais do Flower Lab, um laboratório para o estudo da evolução e da ecologia das plantas.

Os insectos vão agora entrar em hibernação e procurar lugares para passarem o Inverno, mas a circunstância nunca configurará um “problema de saúde pública”. “Ele vai à procura de abrigo em estruturas de origem humana, como barracões ou frestas de janelas, quieto, sem incomodar ninguém. Mas é óbvio que a repulsa das pessoas é compreensível”, sublinha o biólogo.

Para João Lourenço, o principal problema está nos danos que o percevejo-asiático, insecto herbívoro que se alimenta da seiva das plantas, pode provocar na agricultura. “Entre Fevereiro e Abril, quando começarem na procura activa de alimento, vão criar problemas nas zonas agrícolas e esse é que é o verdadeiro problema”, alerta.

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Os percevejos já foram encontrados em várias zonas de Portugal: Guimarães, Lisboa, Castelo Branco, Chaves ou Braga Paulo Pimenta

Nas zonas agrícolas de Creixomil, porém, não há relatos de que o percevejo esteja a atacar os campos. António Gonçalves (PSD), presidente da junta de freguesia, trabalha no sector e garante que as colónias do percevejo-asiático “estão muito circunscritas” e “não tem havido ataques ou danos em produtos hortícolas”.

O autarca, que nas últimas duas semanas recebeu “meia dúzia de telefonemas e emails” de moradores, compreende o “incómodo” gerado pelo aparecimento do percevejo, mas diz que se trata apenas de um sinal de que “a natureza está a trabalhar”.

Câmara admite criar uma equipa especializada caso problema se mantenha

Sobre as medidas a tomar, António Gonçalves assume que a freguesia vai proceder a limpezas nas áreas mais afectadas, sem recorrer, contudo, a “medidas drásticas”. “Não vamos estar a usar químicos indiscriminadamente porque podemos estar a destruir colónias que não estão a prejudicar e são úteis para a biodiversidade. Temos de esperar que o tempo se encarregue de pôr as coisas no lugar”, assinala.

Do lado da Câmara Municipal de Guimarães, a vereadora com o pelouro do ambiente, Sofia Ferreira (PS), diz que há uma empresa especializada contratada pela autarquia a monitorizar toda a questão. Embora assuma que o percevejo-asiático “é incómodo e desagradável”, refere que a empresa tem reportado “uma diminuição da concentração” dos insectos, pelo que a autarquia, neste momento, não vai avançar para qualquer intervenção. No entanto, a vereadora assevera que a situação continuará a ser acompanhada, admitindo a criação de uma equipa dedicada ao combate do percevejo-asiático caso a praga persista.

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