O que Bárbara Reis diz (e o que não diz)

A energia renovável a produzir será toda consumida pelos projectos previstos para o Complexo de Sines. Não só não vamos reduzir emissões à data de hoje como vamos perder sumidouros, os sobreiros.

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Bárbara Reis utilizou o seu habitual e privilegiado espaço de opinião “Coffee Break” do PÚBLICO para, no dia 16/09/2023, e de uma só penada, insultar quem defende árvores legalmente protegidas, assumir que cortar sobreiros “nem por isso” é chocante e salvar a honra do promotor do Parque Eólico de Morgavel. O que merece evidentemente comentário.

A autora, depois de auscultar a Zero e a EDP Renováveis (deixando de fora população, ativistas, movimentos e associações ambientalistas envolvidas), conclui que dos 1821 sobreiros apenas 200 são de lamentar. Para chegar a este número subtraiu ao total, os que afirma, segundo as suas fontes, estarem em “condições fitossanitárias duvidosas”, “péssimos”, “a morrer”, “mortos” ou serem “bebés” do tamanho de “uns palmos”. Em primeiro lugar importa destacar que se tais contas não espantam vindo do principal interessado, o promotor, tal raposa num galinheiro, já as declarações da Zero além de estranhas não correspondem ao seu único comunicado público sobre esta matéria, datado de 4 de Agosto.

Mas vamos ao que é importante. O Despacho n.º 7879/2023 de 1 de agosto de 2023, emitido pelo ministro do Ambiente e da Ação Climática, responde à solicitação de autorização para proceder ao abate de 1821 sobreiros, declarando a imprescindível utilidade pública do Parque Eólico de Morgavel e da linha elétrica a 400 kV de interligação à subestação de Sines, baseando a fundamentação com o disposto no Decreto-Lei n.º 169/2001 de 25 de Maio (que estabelece medidas de proteção ao sobreiro e à azinheira) alínea a) do n.º2 do Artigo 2.º, n.º1 do Artigo 6.º e Artigo 8.º. Ou seja, cruzando com o Artigo 3.º da mesma lei, a alínea q) do Artigo 1.º e a Tabela 4.43 do Estudo de Impacte Ambiental, podemos concluir o seguinte: dos 1821 sobreiros de Morgavel, nenhum está “morto”, “doente”, ou em “condições fitossanitárias duvidosas”, as densidades são superiores às mínimas reconhecidas, e quanto a “bebés” ou arbustos de “palmo”, em limite, o mais pequeno terá 1 metro. Caso assim não fosse, bastaria uma autorização do ICNF. Estamos assim perante contas erradas, argumentos falsos, desinformação e, mais grave, ninguém sentiu necessidade de verificar a lei ou ler o projeto.

Tóxico é ridicularizar assim quem luta para travar um ecocídio.

Sim, é um ecocídio, trata-se da destruição sistemática de ecossistemas. Acontece aqui e por todo o país, um ecocídio patrocinado pelo Governo, com a substituição de floresta e habitats prioritários por extensíssimas áreas de desertos fotovoltaicos e eólicos, em nome de uma falsa transição energética que não corta emissões nem reduz a conta ao final do mês.

No artigo, acusa-se ainda quem vem para a rua protestar de aproveitar alvos fáceis como o Governo e a EDP. Talvez fosse importante relembrar não só o processo de privatização da EDP, as rendas chorudas pagas por todos nós e os seus lucros leoninos, mas também os trabalhadores que deixou no desemprego aquando do encerramento da Central Termoelétrica de Sines, sem um pingo de sensibilidade social, para agora lhe ser atribuído mais um negócio extremamente lucrativo, através de uma fonte inesgotável de produção de energia, o vento. Quanto ao Governo, submisso às imposições e orientações da União Europeia, reprodu-las no Plano Nacional de Energia e Clima, prevendo uma produção renovável muito maior em modelo centralizado, que visa o lucro, em comparação com o descentralizado, que visa o autoconsumo, e grande parte concentrada na região próxima de Sines.

Então porquê em Sines a instalação do parque eólico? O melhor vento? Não, a localização é esta porque os projetos industriais previstos para o Complexo Industrial de Sines vão fazer subir perto de sete vezes o consumo de energia atual, como o DataCenter e o Hidrogénio Verde (projetos a consumir renovável). Com um olhar mais atento, verificamos que a energia renovável que se prevê produzir na região será toda consumida por esses novos projetos, contrariando a ideia de que a “atmosfera fica mais limpa”. Não só não vamos reduzir as emissões à data de hoje, como ainda vamos perder sumidouros de carbono, os ditos sobreiros de Morgavel entre outros. Será melhor voltarmos a fazer as contas às emissões.

A perda de sobreiros não é uma inevitabilidade, assim como não é uma inevitabilidade escolher entre árvores ou energias renováveis (que todos concordamos serem indispensáveis), se considerarmos relevante pensar em alternativas de localização, na sua compatibilização com a natureza e na democratização do processo de decisão, em vez de fazer tudo à medida dos grandes interesses industriais, deixando as pessoas e os territórios para trás.

E isto também precisa de ser dito para todos compreendermos a raiz do problema!

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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