SNS ou o Inverno do nosso descontentamento

O frio está a chegar e o pico das infecções respiratórias também, com um consequente aumento de pressão sobre os serviços de saúde.

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Apesar de suspeitas e avisos vários nesse sentido, foi necessária uma forma de protesto inusitada e legal por parte dos médicos para resultar inequívoco que temos um Serviço Nacional de Saúde (SNS) assente, em boa parte, não nos profissionais, mas na sua abnegação; não no trabalho normal, mas no suplementar. Com efeito, serão já mais de 2000 os médicos que entregaram a minuta de dispensa de trabalho além das 150 horas extras anuais. Apesar de ainda ser cedo para apurar o impacto desta recusa de trabalho extraordinário para lá do limite legal fixado, os constrangimentos nos serviços de saúde marcam a ordem do dia, com fechos de serviços de urgência ou de valências de urgência a ocorrer por todo o país e com o anúncio por parte do maior hospital do país – o Hospital de Santa Maria – da activação do plano de contingência, o que significa que não serão admitidos na urgência pacientes fora de área não referenciados e os não urgentes serão encaminhados para os centros de saúde.

O maior edifício da nossa democracia, o nosso SNS, está a ruir. É urgente tornar o SNS atractivo para os médicos, reactivar as carreiras médicas, diminuir a burocracia, impulsionar a investigação clínica e a formação e dar suporte à implementação de projectos a nível local. É, indubitavelmente, essencial conferir maior autonomia gestionária e melhorar a execução orçamental na saúde, bem como investir na literacia em saúde e apoiar o utente a navegar no sistema de saúde. O aumento das remunerações dos médicos é uma reivindicação justa e deve reportar-se, mormente, ao salário base. É incontornável uma aposta séria nos Cuidados de Saúde Primários e defendo a existência de equipas dedicadas nos serviços de urgência – lembremos que os centros de saúde e as urgências são as duas portas de entrada do SNS.

O frio está a chegar e o pico das infecções respiratórias também, com um consequente aumento de pressão sobre os serviços de saúde. Para responder a essa demanda, e tendo ainda em conta a referida escusa de realização de mais horas extras, cirurgias e consultas poderão ser adiadas, o que, a somar aos cada vez mais utentes sem médico de família, pode ter um efeito de bola de neve, instalando o caos.

Por isso, a menos que Manuel Pizarro, António Costa ou Fernando Medina consigam tirar da cartola uma solução rápida e eficaz, ao jeito de milagre, este poderá ser mesmo, na saúde – lembrando o título do último romance de John Steinbeck – o Inverno do nosso descontentamento.

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