Estes “lobos” pertencem à elite

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Estes “lobos” não nos deixam entrar na ladainha das vitórias morais. Contudo, o facto de termos entrado no jogo contra os lendários “wallabies” com ambição — indefinida entre competir e vencer — diz bem dos passos de gigante que a selecção portuguesa tem dado neste Mundial. Num jogo em que, porventura, se terá começado a notar o desgaste físico provocado por jogos intensos em semanas sucessivas, Portugal entrou em campo a liderar, foi incrivelmente competente em todas as fases do jogo, e acabou por perder por 20 pontos contra uma nação de “Tier 1”. Um resultado que seria impensável há alguns meses.

O ensaio de Pedro Bettencourt resulta de um passe exímio do capitão Appleton, que identifica a vantagem numérica (os defesas interiores australianos não deslizaram e deixaram Koroibete “curto”) e faz um “salto” para a ponta, para um ensaio de eleição.

Mais uma vez, a análise de Lagisquet foi criteriosa: Portugal, que saiu vencedor em todas as métricas essenciais do jogo (mais território, mais posse de bola, mais formações e alinhamentos ganhos, mais recuperações de bola, mais metros ganhos, maior percentagem de sucesso na placagem) numa clara demonstração de maioridade competitiva, acabou por ver o seu esforço condenado pelos dez minutos de expulsão temporária de Bettencourt, e, já num período de fadiga de ambas as equipas, pela menor clarividência da equipa, que insistiu no jogo “largo” — o que marca o ADN destes “lobos” —, quando se pedia mais estrutura e discernimento.

Mas como catalogar esta exibição como uma derrota? Quem poderia imaginar que, num campeonato do Mundo, Portugal escolheria, numa penalidade, dar seguimento ao jogo através da formação ordenada, que resultou inclusivamente num histórico e inesperado ensaio de Rafael Simões? No final do jogo, Lagisquet e Appleton lamentaram as oportunidades perdidas, que incluíram dois ensaios — bem anulados — que num universo paralelo poderiam perfeitamente ter contado, mantendo Portugal ainda mais dentro do resultado.

É impossível deixar de aplaudir o colectivo, mas permito-me fazer três destaques individuais: Hasse Ferreira, com um jogo monumental, foi trave mestra numa formação ordenada muito competente; Marta, explosivo, registou 104 metros ganhos (só atrás dos 153 metros do virtuoso Sousa Guedes), duas quebras de linha e quatro defesas batidos, e continua a desafiar as leis da física, com uma capacidade única para atacar o espaço e criar oportunidades, continuando a faltar-lhe o ensaio, que é o “sangue” que corre na veia

Quem imaginaria que, num Mundial, Portugal escolheria, numa penalidade, prosseguir o jogo através da formação ordenada?

dos pontas; e José Madeira, o general do alinhamento, que tem feito um Mundial memorável, teve duas recuperações de bola e foi um leão no momento defensivo (13 placagens, bem acompanhado por Martins, Wallis, Tadjer e um surpreendente David Costa, com 11 placagens, um volume incomum para um primeira linha).

Seguem-se as Fiji, uma equipa explosiva, que venceu a Austrália e precisa de pontuar contra Portugal para assegurar a passagem aos quartos-de-final. Com o benefício dos factos ocorridos, talvez seja justo reconhecer que os “lobos” têm vindo a disputar encontros de dificuldade crescente, e que seria normal assistir-se a um abaixamento dos níveis de rendimento lusos. Mas Portugal continua a desafiar a lógica e tem sido uma equipa cada vez mais consistente. Se o cansaço não fizer vítimas, o país aguarda por mais uma grande exibição nacional, seguro de que os “lobos” querem, como assegurou o capitão, alcançar uma vitória.

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