O rei vai nu e unicórnios voadores

Estamos a meio do mandato e nada melhorou em Lisboa – nem as condições de circulação ou do trânsito, nem sequer mais lugares de estacionamento.

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No rescaldo da Semana da Mobilidade e analisando as políticas do atual executivo municipal em Lisboa, vem-me à memória o conto infantil de Hans Christian Andersen: um rei muito vaidoso cai no ridículo, sem que os conselheiros o consigam chamar à razão. É uma criança que grita a verdade: “O rei vai nu!” A verdade é sempre evidente para quem quer ver.

Carlos Moedas venceu as eleições autárquicas em Lisboa com várias parangonas, entre as quais a diabolização das ciclovias. A operação de maquilhagem da ciclovia da Av. Almirante Reis no início do mandato foi a primeira prova de que as suas decisões em termos de mobilidade seriam muitas vezes caricatas e ineficazes.

Estamos a meio do mandato e nada melhorou – nem as condições de circulação ou do trânsito, nem sequer mais lugares de estacionamento. Só vimos até agora polémicas e bluffs, desde a recente trapalhada na Av. da Liberdade, ou o anúncio do encerramento de acessos à Baixa para logo ter de recuar após perceber que, sem falar com ninguém, tinha irritado boa parte dos comerciantes e moradores. Esperemos que corra melhor a restrição à circulação automóvel na Rua da Prata e que tenham efetivamente ouvido “as pessoas”.

Sim, porque num palco de muitos anúncios sem sentido, o diálogo de Moedas com a cidade é a maior parte das vezes tão real como um unicórnio voador. Citemos como exemplo o “Conselho de Cidadãos”, feito à porta fechada, ou as sessões públicas em que apenas avançam matérias do agrado do sr. presidente. Isto não é ouvir, é teatro.

Do diálogo prometido às restantes forças na câmara, onde não tem maioria, pouco se vê. Logo no seu primeiro orçamento, e diante dos erros e lacunas apontadas, apostou na vitimização e recorreu à TV em primetime para dizer que não o deixavam trabalhar. Procura assim extremar posições e dividir a cidade, aproveitando ainda para esconder que muitos dos seus anúncios resultam de medidas em curso do mandato anterior ou de financiamento do PRR. A Habitação é o melhor exemplo.

Já na Jornada Mundial da Juventude, Moedas quis ser o centro das atenções. Apressou-se a falar de lucros megalómanos e, podendo a mobilidade correr mal, lançou sombras de bicho-papão sobre o Plano de Mobilidade do Governo. Aposta errada. Agora, terá dificuldade em hesitar nos investimentos em transportes públicos. É possível melhorar, é preciso continuar. Ninguém perceberia outra opção.

Voltando à pomposa Semana da Mobilidade cheia de convidados estrangeiros, é caso para dizer que foi “para inglês ver”. Esqueçam a “cidade dos 15 minutos”, a programação foi reduzida ao centro da cidade, o resto não tem lugar nesta grande encenação. Vejamos: Moedas nada fez quanto à melhoria das acessibilidades e ligações dentro da cidade, isolando ainda mais os bairros da periferia. Fez campanha contra as ciclovias pop-up e nesta Semana o que faz? Uma ciclovia no Rossio durante uma semana! Uns cones de plástico a dividir a estrada e a voar contra os carros, nunca uma ciclovia nasceu tão depressa!

E por falar de (in)segurança, entre as propostas da oposição guardadas na gaveta, está uma recomendação dos deputados independentes (Cidadãos Por Lisboa) que visa estudar projetos-piloto de “Ruas Seguras” à volta das escolas. Com restrição de circulação automóvel e melhoria das acessibilidades, lembrando que é nestes trajetos que acontecem mais atropelamentos. Nada avançou, já vão dois anos letivos! O mesmo se pode dizer do Plano de Acessibilidade Pedonal, esquecido não se percebe porquê. Ideia de cidade, só mesmo no domínio das encenações ad hoc que vai protagonizando. Talvez sejam unicórnios a voar. E o rei segue, com as imaginárias vestes.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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