Ex-secretário de Estado critica Inspecção da Defesa por posição “descabida” sobre derrapagem de obras

Seguro Sanches foi ouvido no DIAP na qualidade de testemunha da Operação Tempestade Perfeita e critica forma “descabida” como actuou entidade que já dirigiu.

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Jorge Seguro Sanches, ex-secretário de Estado da Defesa e actual deputado do PS Daniel Rocha
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O ex-secretário de Estado da Defesa Jorge Seguro Sanches considera que a inspecção-geral deste ministério, que já dirigiu em 2019, tentou resolver o imbróglio relacionado com os custos da adaptação do Hospital Militar de Belém recorrendo a "expedientes" pouco abonatórios.

Ouvido em Julho passado pelo Ministério Público no âmbito da Operação Tempestade Perfeita, na qualidade de testemunha, o agora deputado socialista mostrou-se indignado com o facto de aquela inspecção, à qual o próprio havia pedido uma auditoria às despesas para transformar a unidade de saúde de Belém num centro para doentes com covid-19, ter sugerido à tutela que resolvesse o caso autorizando retroactivamente o director-geral de Recursos da Defesa Nacional, Alberto Coelho, a efectuar gastos que tinham disparado dos 750 mil euros para cerca de três milhões, IVA incluído.

“Achei isto absolutamente descabido e recomendei ao ministro João Gomes Cravinho que não assinasse”, recordou o antigo governante perante a procuradora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa que dirigiu a investigação. “A forma de resolver as questões não é criando expedientes que não correspondam à verdade. E isto [a actuação da direcção-geral] era um erro tão crasso, tão básico…”.

Verdade seja dita que a Inspecção-Geral da Defesa Nacional arrasou a forma Alberto Coelho actuou na contratação, por ajuste directo, a empresa responsável pela empreitada. Mas a identificação de várias “inconformidades legais” não a impediu de sugerir que, “não obstante o desvalor dos procedimentos” levados a cabo, se “afigurava adequada, para regularização administrativa da falta de competência decisória do director-geral, a aprovação de um despacho de delegação ministerial a autorizar a despesa retroactivamente, com efeitos a 20 de Março de 2020”. Afinal, alegava, a obra já tinha sido feita.

"Fiz um despacho arrasador” da direcção-geral

Os directores-gerais só têm competência para autorizar despesas até aos 300 mil euros, patamar acima do qual precisam de pedir autorização à tutela. O que nunca sucedeu, explicou o ex-secretário de Estado, que se convenceu de que esta era a forma habitual de se trabalhar no Ministério da Defesa: “Parece que tudo se faz e o Governo assina de cruz, porque depois de as coisas terem sido feitas alguém diz sempre que sim. Aconteceu em várias outras situações”.

Uma delas, que Seguro Sanches relatou durante a sua inquirição, dizia respeito à necessidade de transferir o serviço Balcão Único da Defesa para novas instalações. Alberto Coelho disse-lhe que a melhor alternativa seria arrendar à gestora de imóveis públicos Estamo um imóvel nas imediações do Marquês de Pombal, no qual era preciso fazer obras de 150 mil euros. O ex-governante torceu o nariz: “Fui falar com o Exército e a Marinha e arranjaram-me várias opções. Fiz um despacho arrasador” da direcção-geral. O serviço acabou mudar para instalações do Exército, na Avenida Infante Santo, em Lisboa. E o hoje deputado confirma as suspeitas da justiça sobre o estreito relacionamento entre Alberto Coelho e as Finanças, por via do subdirector-geral do Tesouro, Miguel Santos, que não é no entanto arguido neste processo: “Quando eu não tinha dificuldades na direcção-geral de Recursos da Defesa, tinha-as nas Finanças. E como não acredito em coincidências…”.

Voltando ao Hospital Militar de Belém, o hoje deputado socialista afirma que a inspecção-geral – que chegou a dirigir em 2019 - podia ter ido mais longe, no que respeita à autorização – ou falta dela - para as despesas efectuadas. “Mas o Tribunal de Contas também não foi. Não estou a criticar, estou a fazer uma constatação”, ressalva.

Depois de receber esta auditoria, no final de 2020, João Cravinho não reconduziu o director-geral no cargo. Mas por indicação de Marco Capitão Ferreira, hoje também arguido numa investigação que nasceu da Tempestade Perfeita, havia de o colocar, seis meses depois, à frente do conselho de administração da ETI, empresa pública do universo da holding IDD, Portugal Defense, Indústrias de Defesa. O hoje ministro dos Negócios Estrangeiros alega que só semanas mais tarde surgiram na comunicação social notícias que indicavam suspeitas graves sobre a conduta de Alberto Coelho. Só que Cravinho sabia de outro processo contra ex-director quando o indicou para este cargo.

O então ministro das Finanças, João Leão, mandou enviar para o Ministério da Defesa, a 4 de Janeiro de 2021, uma auditoria que tinha detectado irregularidades “susceptíveis de configurar infracções financeiras de natureza reintegratória e sancionatória”, na ordem dos 1,7 milhões de euros, na gestão do então director-geral de Recursos da Defesa Nacional. Em causa estavam vários outros contratos celebrados entre 2017 e 2018, parte dos quais por ajuste directo.

Numa audição parlamentar em Fevereiro passado, o governante assumiu que errou ao proceder à nomeação de Coelho para a ETI: "Se soubesse o que sei hoje, não a teria feito", assegurou.

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