Râguebi: outra vez muito perto, outra vez em Toulouse

Portugal esteve a perder por 0-13, mas, com uma grande segunda parte, ficou perto de vencer pela primeira vez num Mundial de râguebi. Um ensaio da Geórgia aos 78’ fixou o marcador num empate (18-18).

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Raffaele Storti marcou os dois ensaios de Portugal Reuters/STEPHANE MAHE
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Para Portugal é quase um déjà vu. Tal como há 16 anos, contra a Roménia, em Toulouse, a selecção portuguesa esteve a escassos minutos de ganhar um jogo num Campeonato do Mundo de râguebi. Após uma grande exibição na estreia contra o País de Gales, os “lobos” passaram por enormes dificuldades na primeira parte contra a Geórgia, mas os portugueses voltaram a querer contrariar a estatística. Com 20,5% de probabilidades de vitória antes do jogo, Portugal fez uma segunda parte de “luxo” e, com dois ensaios de Raffaele Storti, conseguiu colocar-se a vencer, por 18-13. Porém, a apenas dois minutos do fim, a Geórgia fez o ensaio que lhe garantiu o empate (18-18).

Dois dias antes do jogo, quando anunciou os 23 jogadores que iriam estar no Stade de Toulouse na segunda partida de Portugal no Mundial 2023, Patrice Lagisquet, com a clarividência que caracteriza o antigo internacional francês, fez um raio-x perfeito do adversário que iria ter pela frente.

O seleccionador nacional disse que ouvia “pessoas a falar da Geórgia que subestimavam o seu nível”, lembrando que os georgianos tinham "um pack avançado forte, mas também uma linha-atrasada muito boa”. “Aprecio realmente a forma como jogam, fazem um excelente trabalho e, para mim, devem ser considerados um modelo a seguir”, acrescentou Lagisquet.

E o modelo que a Geórgia segue, sob decisiva influência francesa desde o final da década de 50 do século XX, quando o gaulês Jacques Haspekian, contando com apoio do Partido Comunista Francês, consolidou a modalidade na ex-república da União Soviética, faz da Geórgia um dos mercados mais bem explorados na prospecção de talentos pelos clubes em França. Resultado? Com muitos jovens a mudarem-se desde cedo para academias franceses, o nível do râguebi no país subiu e, apenas por questões financeiras, a Geórgia não compete, por mérito desportivo, no Torneio das Seis Nações – a organização da prova é privada e o mercado italiano é bem mais atractivo.

Economia à parte, o plano de Lagisquet para conseguir a enorme proeza de colocar Portugal a vencer pela primeira vez num Mundial, derrotando o 13.º do ranking da World Rugby que, nas últimas quatro edições da prova, ganhou sempre pelo menos um jogo, era claro. Contando com precioso auxílio da meteorologia – ao contrário do que estava previsto, não choveu -, os “lobos” teriam de libertar o mais rápido possível a bola para os três-quartos e aguentar até “ao limite” a reconhecida fisicalidade do “pack” georgiano. A pensar nisso, Lagisquet fez algo que só tinha “feito uma vez” e, claro, contra a selecção de Leste: para os oito suplentes, escolheu seis avançados. “Nos últimos jogos [contra a Geórgia], perdemos nos últimos 20 minutos. Teremos de manter a alta intensidade durante os 80 minutos.”

Georgianos surpreenderam

Em teoria, tudo parecia correcto. Na prática, não foi bem assim. Sabendo que Portugal estaria preparado para o jogo fechado através dos seus avançados, Levan Maisashvili avançou para o “plano B”. De forma inesperada, a Geórgia, desde o apito inicial, nunca privilegiou o ataque pelos seus avançados e, sempre que teve a oportunidade, abriu o seu jogo para as linhas-atrasadas, onde também conta com jogadores de enorme qualidade, como os centros Sharikadze e Kveseladze. E Portugal mostrou não estar preparado para isso.

Com um râguebi a toda a largura do campo, a Geórgia entrou de rompante e, com apenas 72 segundos, chegou ao ensaio pelo ponta Tabutsadze. Foi um balde de água gelada para os portugueses – dentro e fora do relvado – e os georgianos sentiram-no. Mantendo o jogo aberto, os rivais de Portugal surpreendiam os “lobos”, que tinham entrado em campo com o “chip” errado.

O resultado foram 40 minutos de domínio territorial quase absoluto da Geórgia, e as únicas boas notícias para os portugueses na primeira parte foram o ensaio de Storti e o apito para o intervalo. O 5-13 no marcador só podia ser encarado como um alívio.

O intervalo mudou tudo. Sem o impacto da entrada inicial, Lagisquet adaptou a estratégia de Portugal ao “plano B” da Geórgia e o jogo foi outro. Tal como contra o País de Gales, os “lobos” nos últimos 40 minutos em Toulouse mostraram o “râguebi champanhe” tão apreciado e elogiado internacionalmente. Sem surpresa, confirmando a superioridade sobre os georgianos, chegaram novamente ao ensaio por Storti, colocaram-se a vencer por 18-13, e tiveram várias oportunidades para alcançarem uma margem de segurança. Porém, nunca o conseguiram. E a Geórgia aproveitou.

Numa das últimas jogadas, os georgianos beneficiaram de um alinhamento a cinco metros da linha de ensaios e, usando uma das suas armas, construíram a plataforma de ataque de que precisavam para marcar o ensaio. Mesmo assim, na “bola de jogo”, Portugal ainda teve nos pés a oportunidade de chegar à vitória, mas Nuno Sousa Guedes, de posição difícil, não concretizou a penalidade.

A história repetia-se no Mundial 2023. O que, antes do jogo, seria um excelente resultado para Portugal, voltou a saber a pouco. Mas os “lobos” voltaram a deixar a sua marca e a sair de cabeça erguida.

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