Julien Bardy: “O meu sonho era estar no Mundial com Portugal”

É o atleta português com melhor currículo, mas as lesões retiraram-lhe a possibilidade de estar no Mundial de râguebi. Reconhecendo a frustração por não jogar. Julien Bardy mostra orgulho por Portugal

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Julien Bardy num dos últimos jogos que fez por Portugal Miguel Rodrigues
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Na história do râguebi português não há outro jogador que tenha um currículo internacional semelhante Após mais de uma década a competir na elite da modalidade – duas vezes campeão francês e duas finais europeias de clubes pelo ASM Clermont -, Julien Bardy foi forçado a retirar-se dos relvados em 2020, após perder a sua “principal arma”: o ombro. Plaqueador implacável e um dos melhores terceiras-linhas em França, deixou de jogar aos 34 anos - “O meu corpo já não permitia”. Em conversa com o PÚBLICO, Bardy, que tem origens transmontanas, confessa que teria sido “um sonho” jogar por Portugal num Mundial e diz que não ficou surpreendido com a estreia dos “lobos”: “Sabia que Portugal podia deixar uma boa imagem.”

Teve de se retirar aos 34 anos, devido às lesões no ombro. Três anos depois, Portugal está a jogar em França o Mundial. O que sente ao ver a competição de fora?
Para mim é um grande orgulho ver Portugal a jogar num Campeonato do Mundo. É muito importante para promover o râguebi português e para que os jovens em Portugal comecem a jogar. Quanto a mim… Sempre tive tanta vontade de jogar um Mundial e acabei por não ter essa oportunidade. Tentamos muito e tivemos bons resultados, mas não conseguimos. Faz parte do râguebi e do desporto.

A sua primeira internacionalização foi aos 22 anos. No ano seguinte ao Mundial 2007, onde Portugal esteve. Agora abandonou antes do Mundial 2023. Esteve por duas vezes tão próximo...
Fisicamente era impossível continuar. Tive duas lesões muito complicadas no ombro e foi difícil continuar a partir dos 30 anos, quando tive a primeira lesão. Depois fiz uma ruptura completa do tendão do ombro, que era a minha arma principal. Vontade de continuar tinha muita, mas o meu corpo já não permitia. Estivemos perto de conseguir qualificar Portugal para o Mundial 2011. Aconteceu o que aconteceu na Rússia… Perdemos um jogo complicado, por tudo o que se passou à sua volta.

A nível de clubes venceu quase tudo. Ficou a faltar o Mundial na sua carreira?
Era o meu sonho. A minha carreira correu bem, mas podia ter sido ainda melhor. Podia ter tomado outras decisões, mas no Clermont fui campeão francês duas vezes e estive perto com o Montpellier. Também fui duas vezes finalista da Taça dos Campeões europeus de clubes… Essa foi outra frustração para mim. Mas faz parte do passado. Agora quero aproveitar a minha experiência para que a nova geração portuguesa não cometa os mesmos erros. Com toda a humildade, se conseguir ajudar, fá-lo-ei com muito prazer.

Assumiu recentemente as funções de vice-presidente na federação com a missão de "fazer a ligação com os jogadores e clubes de França"...
É tudo ainda muito recente. O presidente da federação pediu-me ajuda e já começamos a trabalhar, mas esta é uma fase complicada por causa do Mundial. Mas já estamos a preparar o que se irá seguir. O que queremos, é não permitir que o nível do râguebi português baixe. Não podemos ir a um Mundial de 20 em 20 anos. A minha área de trabalho será o râguebi de XV e a ligação aos clubes e jogadores em França. Tudo o que se passar em França, irei ajudar.

Jogou sempre ao mais alto nível em França, mas na sua altura havia poucos portugueses a jogar no estrangeiro. Contra o País de Gales havia nove na equipa titular. Ter tantos portugueses a jogar nos campeonatos franceses foi decisivo para a evolução de Portugal?
Acho que sim e queremos que ainda sejam mais. Quem tiver a oportunidade, tem de ir. É outro modelo. É o profissionalismo. Vão viver uma experiência nova e diferente. Os jovens em França vão aprender muito. Depois podem trazer essa experiência para o râguebi português e para a selecção.

É fácil para os jovens portugueses, a maioria com boas perspectivas profissionais fora do râguebi, deixarem a zona de conforto e arriscarem começar por baixo em França?
Quando forem convidados, devem experimentar. É algo que ainda está a começar, mas é preciso perceber a melhor forma de gerir isso. Tenho a certeza de que depois deste Mundial mais portugueses vão ter a oportunidade de saírem para França. Já começo a ler isso nas notícias em França… Mas os jogadores devem aproveitar a oportunidade. Depois avaliam. Podem sempre regressar a Portugal.

Na selecção portuguesa temos muitos jogadores nascidos em França, que são filhos ou netos de portugueses, como é o caso do Julien Bardy. Será importante continuar essa prospecção?
Ninguém pode ser dispensável, mas também não há indispensáveis. Eu não o era. Os jogadores formados em Portugal têm muito bom nível. Há um trabalho que terá de ser feito nos clubes portugueses para subir o nível nas primeiras e segundas-linhas. É muito importante começar o trabalho por aí. Se reparar, temos na equipa o Vincent Pinto, que foi campeão do Mundo de sub-20 pela França. Ainda é muito jovem e com muito potencial. Escolheu jogar por Portugal. Para nós, é um orgulho ter um jogador assim. Depois do Mundial, haverá outros a querer. Quem vier, terá de elevar o nível.

Portugal perdeu contra o País de Gales por 20 pontos, mas no final os jogadores não estavam satisfeitos. Já há outra exigência no râguebi português?
O sentimento dos jogadores era de frustração. Ainda temos muito trabalho para fazer, mas o nível está mais perto do que é preciso. Não vou dizer que podíamos ter vencido, mas sofremos um ou dois ensaios em que facilitamos. Foram erros de concentração. O nível está muito melhor. Recebi muitos comentários de franceses a elogiarem Portugal. É importante e é uma boa publicidade. Mas temos de manter os pés assentes na terra. Depois do País de Gales teremos a Geórgia, a Austrália e Fiji, que vão ter muito cuidado quando jogarem connosco.

Ficou surpreendido com a exibição de Portugal?
Sabia que tínhamos muito potencial. A linha de três-quartos é muito boa, mas também sei quais são os nossos pontos fracos. Sabia que não iria haver uma derrota total e que Portugal podia deixar uma boa imagem. Isso aconteceu.

Defrontou algumas vezes a Geórgia. O que é que Portugal precisa de fazer para vencer no sábado?
A Geórgia é uma equipa do nosso campeonato. É a selecção do nosso grupo contra quem podemos tentar alguma coisa... Têm qualidades que não temos, mas nós temos qualidades que eles não têm. Teremos que estar muito concentrados e disciplinados. Depois vê-se o que acontece. Este é o jogo em que podemos ganhar, o que seria muito bom para nós, mas eu tenho muito respeito pela Geórgia. Conheço muitos dos seus jogadores e temos de ter cuidado. Vai ser muito duro e equilibrado. O Mundial começou bem e já começamos a deixar uma boa imagem. É preciso continuar.

O grupo de Portugal está muito nivelado? O que se passa com a Austrália?
Para mim é o grupo mais linear. Fiji está no nível mais alto. Os galeses e os australianos já não são os mesmos do passado. Acho que a Austrália já está a preparar o Mundial 2027, que vão organizar. Estão com um grupo muito jovem. Deixaram de fora jogadores mais velhos com qualidade. Não parecem estar muito preocupados com este Mundial.

Fiji pode ser a surpresa deste Mundial?
Tenho a certeza de que serão uma das duas equipas do nosso grupo que vai passar para os quartos-de-final… Ainda têm muito para mostrar.

É desta vez que a França vai ser campeã?
(Risos) Há muita pressão. Tenho lido a imprensa francesa e já começam a pressionar. A equipa é muito completa e tem muita qualidade. Ganharam à Nova Zelândia, o que é um resultado enorme. Acredito que sim.

O principal perigo para a França vem da Irlanda e da África do Sul?
A França, a Irlanda, a África do Sul e a Nova Zelândia estão no grupo dos favoritos. Mas ainda faltam muitos jogos e é difícil fazer previsões. Quero acreditar que a França pode ser campeã. Está mais forte do que nunca. Se não for neste ano… Não podendo ser Portugal, vou estar a torcer pela vitória da França.

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