Para que nenhuma decisão sobre o doente seja tomada sem o doente
Na Assembleia Mundial da Saúde de 2019 foram aprovados o Plano Global de Ação para a Segurança do Doente 2021-2030 e a definição do dia 17 de setembro como o Dia Mundial da Segurança do Doente.
Estudos desenvolvidos em diversos países, incluindo Portugal, demonstram que 1 em cada 10 doentes experiencia eventos adversos em hospitais, sendo os mais comuns as quedas, as infeções associadas aos cuidados de saúde, os incidentes relacionados com a medicação ou decorrentes de procedimentos cirúrgicos. A segurança do doente representa uma componente fundamental da prestação de cuidados de saúde de qualidade, procurando prevenir e reduzir a ocorrência de incidentes relacionados com esses cuidados. Trata-se, por isso, de um importante problema de saúde pública com implicações significativas em termos clínicos, económicos e sociais.
Na Assembleia Mundial da Saúde de 2019 foram aprovadas duas iniciativas que, de então para cá, têm marcado a agenda da segurança do doente a nível mundial: o Plano Global de Ação para a Segurança do Doente 2021-2030 e a definição do dia 17 de setembro como o Dia Mundial da Segurança do Doente, com o objetivo de aumentar a consciencialização pública e apelar à necessidade da ação global por parte dos Estados-membros, no sentido de reforçar e melhorar a segurança do doente.
Em 2023, sob o lema "Elevar a voz dos doentes!", a OMS apela a todas as partes interessadas que tomem as medidas necessárias para garantir que os doentes sejam envolvidos na formulação de políticas de saúde, estejam representados nas estruturas de governação, participem na co-criação de estratégias de segurança e que sejam parceiros ativos no seu próprio cuidado. Tal desígnio só pode ser alcançado se foram criadas oportunidades e condições para que doentes, famílias e as comunidades possam expressar as suas preocupações, preferências e expectativas, bem como relatar as suas experiências, contribuindo dessa forma para consolidar a centralidade no doente, aumentar a confiança nas instituições de saúde, reforçar a equidade e promover a segurança dos cuidados.
A evidência científica tem demonstrado que quando os doentes são considerados parceiros no seu cuidado, obtêm-se ganhos significativos ao nível da sua segurança e satisfação, bem como dos resultados em saúde. Ao serem envolvidos no processo, os doentes podem dar um contributo relevante para a segurança do seu próprio cuidado e do sistema de saúde como um todo.
Torna-se assim evidente a necessidade de construir uma visão em que o sistema, as organizações, os líderes e os profissionais de saúde promovam uma cultura de segurança assente no princípio de que “nenhuma decisão sobre mim (doente/utente), é tomada sem mim”.
Os principais documentos legais e de planeamento estratégico de saúde em Portugal – como a Carta para a Participação Pública em Saúde; o Estatuto do SNS, a Lei de Bases da Saúde, o Plano Nacional de Saúde 2021-2030 e o Plano Nacional para a Segurança do Doente 2021-2026 – incluem inúmeras referências à promoção e valorização da centralidade dos cuidados no doente e à importância de integrar o doente/utente como ator participante no seu processo de saúde/doença.
Paralelamente, têm sido desenvolvidas diversas ações nas instituições de saúde com o objetivo de aumentar o envolvimento do doente através da avaliação da experiência e dos resultados na perspetiva do doente (PROM e PREM), de ações que visam aumentar a literacia em saúde, recolha das suas narrativas (storytelling), entre outras.
O envolvimento do doente e da família é um dos principais impulsionadores para a melhoria e reforço da segurança dos doentes, mas, também, um dos maiores desafios que temos – todos – de contribuir para a resposta se quisermos maximizar ganhos e resultados em saúde e, simultaneamente, melhorar a qualidade dos cuidados e a segurança clínica nas instituições de saúde em Portugal.
Citando o Professor João Lobo Antunes (Olhar com Outros Olhos, 2015) “... embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão” – e, acrescentaríamos, sem um verdadeiro e efetivo envolvimento do doente e da família.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico