Rui Pinto escapa à prisão: autor do Football Leaks condenado a quatro anos com pena suspensa

Acórdão do pirata informático, que beneficiou de amnistia em 79 crimes, foi conhecido esta segunda-feira. “Num Estado de direito nunca ninguém poderá estar acima da lei”, diz juíza.

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Daniel Rocha
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Francisco Teixeira da Mota, um dos advogados de Rui Pinto Daniel Rocha
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Rui Pinto escapou a uma pena de prisão efectiva: foi condenado esta segunda-feira a quatro anos de prisão em pena suspensa. "Num Estado de direito nunca ninguém poderá estar acima da lei e de lhe dever obediência. Não vale tudo e nunca poderá valer tudo. A verdade não é um valor absoluto e não tem de ser investigada a qualquer preço”, disse a juíza que dirigiu os trabalhos, Margarida Alves, nos momentos finais da leitura da sentença.

O pirata informático foi sentenciado pelo crime de extorsão na forma de tentada, a três crimes de violação de correspondência na sua forma agravada e a cinco crimes de acesso ilegítimo. A amnistia no âmbito da Jornada Mundial da Juventude abrangeu 68 crimes de acesso crimes de acesso indevido e 11 crimes de violação de correspondência, mas a magistrada deixou claro que o hacker seria condenado por estes crimes se não existisse este regime.

O tribunal decidiu ainda que o arguido terá de pagar várias indemnizações às pessoas e instituições que lesou, num total superior a 22 mil euros. A maior fatia vai para o advogado João Medeiros, que viu o seu correio electrónico devassado, com graves consequências para a sua vida pessoal e profissional.

O delito mais grave cometido pelo pirata informático foi ter tentado extorquir dinheiro ao fundo de investimento Doyen, com um plano conhecido e secundado pelo advogado Aníbal Pinto. Para parar de publicar no site Football Leaks documentos confidenciais da Doyen relacionados com passes de jogadores e empréstimos deste fundo de investimento aos clubes, o pirata informático chegou a exigir em 2015 a esta entidade uma verba entre meio milhão e um milhão de euros. Agora vai ter de a indemnizar em três mil euros.

Mas Rui Pinto também foi condenado por ter acedido de forma ilegítima aos sistemas informáticos do Sporting, da Federação Portuguesa de Futebol, da Procuradoria-Geral da República e do escritório de advogados PLMJ, além da Doyen.

O acórdão acabou de ser lido no Campus da Justiça, em Lisboa, com o tribunal a dizer não acreditar que Rui Pinto tivesse colegas no projecto do Football Leaks e ligando-o ao blogue Mercado de Benfica, página em que foram publicados emails do clube da Luz e informações de processos judiciais das "águias". De resto, o pirata informático chegou a admitir em tribunal a participação em ataques informáticos e a tentativa de extorsão — ainda que sem intenção — ao fundo de investimento Doyen, ligado ao mundo do futebol.

Por alguns minutos, tudo apontava para que a juíza condenasse Rui Pinto a uma pena de prisão efectiva. Depois de enunciar a conduta criminosa do hacker e, no entendimento do colectivo, o objectivo claro de dar uma cobertura legal à tentativa de extorsão, a juíza Margarida Alves começou a enunciar a moldura penal.

Rui Pinto foi condenado a dois anos pelo crime de extorsão na forma tentada, dois anos e seis meses pelos acessos ilegítimos ao Sporting e à Federação Portuguesa de Futebol, quatro anos e seis meses pelos acessos à Doyen, PLMJ e Procuradoria-Geral da República, nove meses de prisão pela prática de violação da correspondência de João Medeiros, seis meses pela de Rui Costa Pereira, e seis meses pela de Inês Almeida Costa. No final, a juíza decidiu aplicar uma pena única de quatro anos com pena suspensa por igual período.

Além de um crime de tentativa de extorsão, Rui Pinto respondia por seis de acesso ilegítimo, 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência e um de sabotagem informática, num total de 90 delitos. A maioria deles diz respeito a ter-se introduzido nos sistemas informáticos de dezenas de entidades e organizações.

Destes, foi amnistiado em quase 80, no âmbito do perdão aplicado por ocasião da visita do Papa Francisco a Portugal durante a Jornada Mundial da Juventude. Restaram os crimes de âmbito do cibercrime e ainda a imputação de tentativa de extorsão.

Aníbal Pinto condenado

O segundo arguido neste processo, o advogado Aníbal Pinto, foi igualmente condenado, a dois anos de pena suspensa, por cumplicidade com Rui Pinto, que chegou a representar legalmente. Intermediou as negociações do pirata informático com a Doyen e já anunciou que vai recorrer desta sentença.

Após estar em prisão preventiva entre Março de 2019 e Abril de 2020, Rui Pinto começou a colaborar com a Polícia Judiciária, cedendo o acesso aos ficheiros que estavam nos discos encriptados apreendidos na Hungria. O denunciante encontra-se agora em localização não revelada, auxiliando esta autoridade nas investigações.

Foram ouvidas neste processo testemunhas como Jorge Jesus, Bruno de Carvalho e o antigo responsável pelo fundo de investimento Doyen, o empresário Nélio Lucas. Além do desporto, foram ainda ouvidas personalidades ligadas a vários outros sectores da sociedade.

O arguido beneficiou da amnistia para jovens dos 16 aos 30 anos decretada na sequência da vinda do Papa a Portugal. Como esta lei ainda não estava em vigor, e os seus contornos não eram totalmente conhecidos, a juíza achou por bem esperar pela sua publicação antes de divulgar o veredicto, que devia ter sido conhecido em Julho passado. Agora com 34 anos, o pirata informático tinha menos de 30 quando cometeu estes crimes.

Por terem uma moldura penal inferior a um ano de prisão ou 120 dias de multa, foram amnistiados os crimes de violação de correspondência e de acesso indevido. O mesmo não sucede com os delitos inscritos na lei do cibercrime nem com a tentativa de extorsão, bem como no que diz respeito aos crimes de acesso ilegítimo. Rui Pinto acabou por nunca receber nenhum montante do fundo de investimento Doyen, Porém, diz a lei que a tentativa de extorsão é igualmente punível.

À saída do tribunal, um dos advogados de Rui Pinto, Francisco Teixeira da Mota, mostrou-se razoavelmente satisfeito com este desfecho, embora ainda pondere recorrer da sentença: "Ao não determinar a prisão efectiva, esta decisão reconhece o trabalho de serviço público desenvolvido por Rui Pinto. Não se podia contar com absolvição, uma vez que houve confissão de crimes". Também o Ministério Público ainda não decidiu se recorre ou não.

Já o advogado que representou a Federação Portuguesa de Futebol neste processo, Pedro Barosa, falou de uma decisão justa, recusando no entanto pronunciar-se sobre a medida da pena: "O tribunal foi exemplar".

A diplomata e comentadora Ana Gomes, que desde sempre defendeu a actuação de Rui Pinto, considera justa a aplicação de uma pena suspensa de quatro anos ao pirata informático. “O que importa é que a justiça entendeu que, se havia uma pena para expiar, ele também merecia uma oportunidade”, observa a socialista, recordando o arrependimento manifestado pelo arguido em tribunal e o seu “comportamento exemplar” no combate à criminalidade organizada no mundo do futebol.

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