Porque é que alguém se mata

A prevenção do suicídio é uma prioridade de saúde pública no nosso país: uma morte em cada cem é por suicídio e o suicídio é a primeira causa de morte entre os 15 e os 49 anos.

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Todos iremos morrer, é certo, a morte faz parte da vida, é uma angústia que afastamos do nosso pensamento dia após dia, mas a morte por suicídio não é uma morte qualquer: sinaliza a falência real do sentido de viver, a avaria no processo natural de adesão à vida; ninguém deseja morrer, mas no suicídio é precisamente isso o que acontece. Porque é que alguém se mata? Não, não é um grande mistério. Na realidade não é sequer mistério nenhum. É só um resultado lamentável, potencialmente evitável.

A morte por suicídio diz-se potencialmente evitável porque sabemos o que fazer, como fazer, quando e a quem.

A prevenção do suicídio é uma prioridade de saúde pública no nosso país: uma morte em cada cem é por suicídio e o suicídio é a primeira causa de morte entre os 15 e os 49 anos de idade, os anos mais produtivos da vida. Todos estes portugueses que se matam, mais de mil por ano, não o fazem para exercer um direito ou porque as condições de vida são más, ou porque coisas negativas marcaram a sua vida passada ou eventos maus aconteceram recentemente, não se matam por causa do desemprego, do divórcio, da crise habitacional ou da pandemia.

Quem morre por suicídio reage mal à adversidade, e em regra, ou está doente ou o seu estado mental dificilmente pode ser considerado normal.

O Dia Mundial da Prevenção do Suicídio foi estabelecido há exatamente 20 anos por iniciativa conjunta da Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e pela Organização Mundial da Saúde com o objetivo de sensibilizar os decisores, as organizações e as pessoas em geral de que é possível evitar as mortes por suicídio.

O tema “Criar Esperança Através da Ação” lança-nos o desafio de que é o momento de passar das palavras aos atos e sinaliza aos que estão em sofrimento que há esperança e que todos os vamos apoiar.

Apoiar e agir em prevenção do suicídio não é fazer ‘qualquer coisa’, não é apenas mostrar boa vontade, ou promover iniciativas isoladas, desgarradas, por iniciativa de uma categoria profissional ou organização. Mais do que adoçar as nossas consciências de que estamos a fazer ‘qualquer coisa’, devemos ter uma estratégia do que fazer, como fazer, quando, e para quem. De facto, apenas com boa-vontade, proatividade generosa, promoção de crenças idiossincrásicas, ou demarcação de territórios, não só não se evitarão os comportamentos suicidários como até se poderá correr o risco de aumentar essas mortes. Exatamente: fazer por bem pode não dar bons resultados, e pode até ser espúrio, contraproducente.

Mas temos de estar todos envolvidos e temos de aprender uns com os outros na medida do que cada um pode trazer de útil para o esforço coletivo.

Se sabemos o que fazer, como, quando e a quem, podemos e devemos avançar agora. O suicídio em Portugal não tem diminuído sensivelmente nos últimos 20 anos, e é possível melhorar esta dura realidade.

Os esforços coletivos, poderão ser espontâneos, mas raramente são sustentáveis sem uma política pública consistente nesse sentido. E o suicídio é uma ocorrência trágica, que afeta gravemente milhares de pessoas por ano os mil que morrem e as dezenas de milhar dos que sobrevivem —, mas que se distribui de forma diferenciada em diferentes locais e regiões. Dito isto, a prevenção do suicídio faz-se através de cuidar da saúde do indivíduo e da saúde das populações a muitos níveis ao mesmo tempo, de forma concertada, integrada, intersectorial, com liderança, e principalmente, como um esforço coletivo, partilhado.

Ou seja, nada de iniciativas isoladas e sem evidência científica, e sim às alianças locais, regionais ou nacionais, constituídas por órgãos de gestão públicos, serviços de saúde, escolas, universidades, empresas, segurança social, centros de emprego, trabalho multidisciplinar, intersectorial, promoção da saúde mental e prevenção da doença mental, com o contributo de peritos e de pessoas com experiência vivida e capacidade. E em que todos professores, estudantes, polícias, informáticos, jornalistas, profissionais de saúde, sacerdotes, políticos, militares, magistrados, operários, youtubers, influencers, cuidadores, jovens, adultos, idosos, amigos, familiares podem jogar o papel determinante, insubstituível, que as suas funções específicas lhes atribuem, informadas pela educação e literacia em saúde mental.

A complexidade do suicídio não deverá ser um convite à inação, mas um desafio à escala da comunidade a resolver com intervenções estruturadas e vontade.

Portugal merece uma Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, apoiada e construída para todos e para os anos vindouros.

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