Continuar a abater sobreiros não é ser sustentável

Pelo abate dos 1821 sobreiros, o promotor propõe-se plantar 30.000 sobreiros. Mas nada garante que desta plantação resultem árvores saudáveis que só daqui a 30 ou 40 anos estarão no estado adulto.

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O Laboratório Associado Change – Instituto para as Alterações Globais e Sustentabilidade é constituído por três unidades de investigação do Sul do país, que se debruçam sobre os desafios da sustentabilidade face às alterações climáticas já conhecidas e em curso. Em nome do Change não podemos deixar de nos manifestar profundamente preocupados com a autorização do ministro do Ambiente de abate de 1821 sobreiros para instalação de um parque eólico em Morgavel (Sines, Parque Natural do Sudoeste Alentejano), invocando utilidade pública.

Não é fácil entender qual a hierarquia de valores que permite que esta decisão seja tomada – assim como outras autorizações já dadas para abate de sobreiros, na mesma zona. No total, segundo o Jornal de Negócios do passado dia 4 de Agosto, desde 2013 foram aprovadas autorizações para o abate de 40.000 sobreiros, justificadas pelo interesse de projectos de produção de energia. O efeito cumulativo desta destruição de sobreiros é muito maior do que a autorização da semana passada isolada. Para a necessária transição climática, deveria ser contabilizado o CO2 que é captado e retido no montado, no solo e nas árvores, e o CO2 que se perde para atmosfera com este abate. E para os objectivos de biodiversidade, a heterogeneidade de habitats e espécies que alberga um montado adulto como este que agora vai ser afectado.

A área onde vai ser feito o abate encontra-se parcialmente inserida na Rede Natural 2000 Zona especial de conservação Costa Sudoeste (PTCON0012). Em termos de habitats naturais, inclui pequenas manchas de bosque/ florestas de sobreiro Habitat da Directiva 9330, um habitat raro e em franca regressão em Portugal, e que é ignorado nas condicionantes. Não estão previstas medidas específicas de impedimento de destruição destes habitats. Há ainda a perda da capacidade produtiva de cortiça, matéria-prima já tão em falta para um mercado em expansão.

Os sobreiros, tal como as azinheiras, são árvores protegidas legalmente desde 1951 através de legislação com sucessivas atualizações pela diversidade de serviços dos ecossistemas – bens e serviços públicos que suportam (ver DL 169/2001), ou seja, pela utilidade pública que têm, há muito reconhecida. Os montados contribuem de forma explícita para vários dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, reforçados no acordo assinado no Canadá na Conferência Internacional para a Biodiversidade 2022. Além da produção de cortiça, um activo único no território português com repercussões marcantes e positivas para Portugal, numa cadeia de valor global.

Os dados da análise espaço-temporal em toda a região do Alentejo mostram que a área coberta tanto de sobreiro como de azinheira tem vindo a diminuir desde os anos 1990, tanto em área total como em densidade de árvores. Dos cerca de 1,1 milhões de hectares que tínhamos de montado no final do séc. XX, 5000 hectares de montado perdem-se todos os anos, há mais de 30 anos. É um declínio assustador mas invisível, porque as árvores vão morrendo pouco a pouco, dispersas no meio de outras saudáveis ou ainda sem sinais visíveis de doença, e a regeneração por novas pequenas árvores não vinga em solos degradados e sem a proteção das árvores adultas.

E assim vão crescendo clareiras cada vez maiores em áreas de montado, sem que haja regeneração possível. As razões são diversas e interligadas. Apesar do valor que o montado de sobro e/ou azinho tem, não se tem conseguido travar este declínio. Face a este processo, o que se espera do Estado é que proteja de forma empenhada estas árvores, nomeadamente as que estão em bom estado de vigor, e que disponibilize regulamentação e medidas de apoio para que a sua protecção esteja assegurada. Esta autorização, tais como as outras que têm vindo a ser concedidas para outros abates de sobreiros e azinheiras, parecem ser contra-intuitivas: queremos proteger este património único, temos legislação específica para tal, mas autorizamos o seu abate afirmando objectivos de sustentabilidade.

Pelo abate dos 1821 sobreiros, foi dada a informação de que o promotor vai plantar de 42 mil árvores e arbustos, das quais 30.000 sobreiros, numa área de 50,07 hectares do Perímetro Florestal da Conceição, em Tavira (segundo as notícias do PÚBLICO no dia 1 de Agosto e no dia 2 de Agosto ). Para onde se prevê o abate o sobreiro está na sua área de distribuição e condições ecológicas favoráveis ao seu desenvolvimento, e verifica-se regeneração, enquanto a taxa de sucesso de novas plantações registada nos últimos 20 anos, num clima cada vez mais quente e seco, e em solos mais degradados (tal como na área da plantação prevista, Tavira), é muito baixa. Não há nenhuma garantia de que esta nova plantação vá resultar num montado com árvores adultas e saudáveis. E, mesmo se o fizer, só daqui a 30 ou 40 anos estão no seu estado adulto e a produzir cortiça de qualidade. Esta não é uma compensação do que se perde pelo abate de árvores autóctones e saudáveis.

Vimos apelar ao ministro do Ambiente e da Ação Climática para que, em nome do ambiente e da ação climática, reconsidere estas autorizações e invista na protecção eficaz da floresta do país com vista à preservação da utilidade pública que esta já tem – e não que poderá vir a ter.

Teresa Pinto Correia, Cristina Máguas e Rui Santos, membros do Conselho Directivo do Laboratório Associado Change

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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