Um jogo de pré-época?

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1. Local: Lausanne. Recinto: Tribunal Arbitral do Desporto. Data: 24 de Julho de 2023. Em disputa: Regulamento de Agentes de Futebol da FIFA. Resultado: FIFA -1- Agentes de Futebol -0-.

2. O TAS/ CAS de Lausanne proferiu importante – mas não decisiva - decisão, como atrás pontuado. É a Professional Football Agents Association (PROFAA) que coloca em crise a nova regulação da actividade dos agentes de futebol (e não já somente agentes de jogadores) emanada pela FIFA, devendo ser seguida por todas as federações nacionais de futebol.

A PROFAA, pela sua argumentação e vícios de validade que aponta, deu azo a uma defesa exaustiva da FIFA e a uma bem relevante e interessante decisão do TAS (89 páginas). Os argumentos jurídicos “atacam” em variadíssimas frentes, mas uma boa parte deles – tendo o "tecto de remuneração" por causa – movem-se no domínio da defesa da concorrência, do abuso de posição dominante (no mercado) da FIFA, também a nível do Direito Europeu.

A decisão está plena dessas aproximações e, claro está, lança o objecto da causa muito para os homens e mulheres do Direito da Concorrência e do Direito Europeu. Por exemplo, jogando mão de “teste” do Tribunal da União Europeia que já vem de trás (Wouters/Meca-Medina), o TAS lá vai respondendo se as normas do Regulamento FIFA prosseguem objectivos legítimos, se são apropriadas a alcançar tais objectivos e se são proporcionais, não ocorrendo alternativa menos restritiva.

3. Aqui salientamos espaço dedicado a uma “questão prévia”: pode a FIFA estender os seus poderes regulamentares para além da finalidade de governo do futebol em si e cobrir actividades económicas periféricas, particularmente o mercado dos agentes de futebol?

Ora, a PROFAA como que convidou o TAS a responder pela negativa a essa questão que já tinha sido aflorada no Acórdão Piau do TJUE.

4. O colégio de árbitros do TAS vem a afirmar que a PROFAA não prova no processo que, por regra, a FIFA não detenha essa atribuição. Pelo contrário, o TAS di-lo expressamente, a FIFA goza de legitimidade técnica, mas também da democrática para regular tais serviços.

E no ponto 177 estabelece-se que o futebol é um desporto com alcance global. Ou seja, as condições desportivas devem ser tão harmoniosas quanto possível em todos os lugares, a fim de manter um “campo de jogo” nivelado. A FIFA é o órgão regulador internacional do futebol e organiza todas as principais competições de futebol. Actualmente, não existem organizações internacionais substitutas, quer de natureza privada, quer pública.

No caso concreto, por outro lado (178), “a FIFA parece ter conduzido um processo de consulta minucioso, reunindo contribuições de muitas partes interessadas relevantes, incluindo nomeadamente a da PROFAA […] e outras organizações de agentes de futebol, UEFA, associações membros e ligas, entre outros. As novas normas regulamentares também obtiveram amplo apoio de várias autoridades públicas, incluindo a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, o Conselho da Europa e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Com base nisso, a FIFA relatou extensivamente as externalidades negativas do mercado de serviços de agentes de futebol e sua íntima conexão com o desporto do futebol em si, justificando adequadamente a necessidade de regulamentar os serviços de agentes de futebol”.

5. Um último sublinhado nesta matéria (179): “O painel observa que a actividade dos agentes não pode ser propriamente definida como sendo apenas 'periférica' ao mundo do futebol e sua organização. Os agentes, de facto, na medida em que representam os interesses dos clubes e jogadores, intervêm directamente na organização e funcionamento do mercado de serviços dos jogadores, no que diz respeito à sua contratação e transferência – ou seja, no que diz respeito a um dos aspectos centrais de todo o sistema futebolístico. Assim, a FIFA parece ter o direito, em termos gerais, de adoptar regras que regulem a actividade dos agentes, da mesma forma que (e na medida em que) tem o direito de emitir regulamentos relativos ao estatuto e à transferência de jogadores.”

6. Mas atenção que esta decisão do TAS não é o jogo “oficial”, a contar para o real campeonato, não obstante toda a sua relevância e valor. O jogo será outro – podendo ter o mesmo resultado – se e quando o Regulamento FIFA for escrutinado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

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