Os tintos também se bebem no Verão? E porque não?

Esqueça as convenções, que nos vinhos o essencial é mesmo o prazer e satisfação. E com alguma ousadia e desafio ainda melhor.

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Vinho tinto também combina com pratos de peixe Rui Gaudêncio
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Por vezes, as regras convencionais sobre vinhos e comidas podem tornar-se confusas e até ridículas. Então o melhor vinho não é aquele que me apetece e que me sabe melhor? Claro que sim! E se for Verão? E se for com peixe? E se…? Então não pode ser tinto?

A norma é que peixes e tempo quente pedem os vinhos brancos, mas não deixa de ser também verdade que a arte e engenho enológico nos oferecem hoje tintos leves e frescos e também brancos mais quentes e contundentes.

E não esquecer ainda que o vinho é também o momento e a circunstância. O prazer da conjugação com a comida pode resultar até muitas vezes mais do momento, da envolvência e atmosfera, do que propriamente das suas características. Primordial é viver o momento e potenciar o prazer e, por vezes, uma certa dose de risco e ousadia são também um tempero extra.

É, pois, claro que pode beber um tinto no Verão e também para acompanhar pratos de peixe. E até deve, se é o que lhe apetece e parece mais adequado. Haverá apenas que tomar algumas precauções e estar atento a alguns pormenores. Tal como argumentou o abade de Priscos quando questionado pelo rei sobre a palha que tinha usado na confecção do célebre pudim: “Todos comem palha, é preciso é saber servi-la!”

É claro que uma comida leve deve convocar um vinho igualmente leve e subtil. Mas isso não exclui os tintos. Têm é que ser escolhidos os mais leves, com estrutura mais delicada, perfil frutado e taninos macios e suaves. E também servidos um pouco mais frescos. Não gelados, que os tornaria rudes e amargos, mas apenas mais refrescados, para destacarem a componente frutada, a textura suave e macia.

Outro aspecto a ter em conta é a maneira como os peixes são cozinhados, a sua textura e estrutura, e o tipo de ingredientes que são utilizados na sua confecção. Pense-se nos assados, nas caldeiradas com aromas e sabores intensos, ou nas preparações de estilo asiático, fortemente condimentadas. A par da componente aromática, pedem sempre também vinhos com bom corpo e acidez.

Todos sabemos que não foi sempre assim, mas hoje os tintos não se limitam a rimar com estrutura, corpo e álcool. Há no mercado, e em todas as regiões, uma larga oferta de tintos mais aromáticos, leves e elegantes, perfeitamente adaptados à gastronomia de Verão. E nem é sequer apenas uma questão de enologia. Neste aspecto, Portugal pode tirar também partido da grande riqueza e variedade de castas e terroirs.

Com o avanço da viticultura e tecnologia instalada nas últimas décadas, os enólogos podem ditar os seus vinhos de todos os tipos de perfis. Vindimar mais cedo para controlar o grau, ambientes inertes, estabilização, controle de temperaturas e macerações para preservação dos aromas primários, controle da extracção e texturas.

Mas em Portugal, e em geral no Sul da Europa, no chamado Velho Mundo, há também uma variedade de castas que proporcionam uma grande mais-valia neste tipo de vinhos. Pela sua riqueza natural que o tempo adaptou e ensinou a cultivar nos espaços mais adequados. Castas autóctones como Alvarelhão, Rufete ou Tinta-Pinheira, Tinta-Francisca, Jaen, Castelão ou Negra Mole, que em alguns casos estiveram já quase esquecidas, mas que felizmente têm sido resgatadas para proporcionar vinhos naturalmente abertos, elegantes, leves e frescos. Mas sobretudo muito saborosos e gastronomicamente ricos.

Seguem-se oito exemplos desses vinhos que estão disponíveis no mercado, mas há muitos mais que vale também a pena experimentar. Sem preconceitos nem clichés, que o risco e a transgressão trazem sempre também outro sabor e os tintos são também para peixes e para o Verão.

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