Poluição do ar relacionada com o aumento da resistência aos antibióticos

Novo estudo mostra que o controlo da poluição do ar pode diminuir as mortes e os custos económicos da resistência antimicrobiana, responsável por mais de 35 mil mortes por ano na Europa.

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Poluição do ar em Nova Deli, na Índia: a poluição atmosférica é uma das principais ameaças à saúde pública em todo o mundo ADNAN ABIDI/REUTERS
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A poluição do ar estará a ajudar no aumento da resistência aos antibióticos, uma das principais ameaças à saúde pública em todo o mundo – e que tem aumentado nos últimos anos. A análise de mais de uma centena de países, entre 2000 e 2018, mostra que o aumento da poluição atmosférica pode estar ligado a um maior risco de resistência antimicrobiana em todas as regiões do mundo.

Apesar de o abuso ou a má utilização dos antibióticos continuarem a ser os principais catalisadores da resistência aos antibióticos, a poluição do ar parece ter também uma palavra a dizer nesta matéria. O estudo agora publicado na revista The Lancet Planetary Health é o primeiro a olhar, em todo o mundo, para esta ligação: quando a poluição do ar aumenta 1%, há também um aumento da resistência aos antibióticos entre 0,5% e 1,9% (dependendo do tipo de bactérias). E esta correlação entre a poluição do ar e a resistência a antibióticos tem sido reforçada entre 2000 e 2018, período analisado pela equipa internacional de cientistas.

“A resistência aos antibióticos e a poluição do ar estão entre as maiores ameaças à saúde global. Até agora, não tínhamos uma imagem clara das possíveis ligações entre os dois, mas os benefícios de controlar a poluição do ar podem ser duplos: não só reduz os efeitos nocivos da má qualidade do ar, como também desempenha um papel importante no combate ao aparecimento e disseminação de bactérias resistentes a antibióticos”, explica Hong Chen, investigador da Universidade de Zhejiang (China), e um dos autores deste estudo.

A resistência antimicrobiana (a antibióticos, antivirais, antifúngicos ou antiparasitários) é uma das ameaças à saúde pública em maior crescimento, sendo responsável por 35 mil mortes anuais na Europa – e 1,3 milhões de mortes por ano em todo o mundo, de acordo com uma estimativa para 2019 publicada na revista The Lancet.

Andrea Ammon, directora-geral do Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC), já tinha realçado, em entrevista ao PÚBLICO, que esta é “uma situação verdadeiramente grave em curso”. “Nos últimos três anos, não conseguimos prestar atenção suficiente a este assunto porque estávamos a lidar com a covid-19. Mas agora temos de voltar a investir neste tema, porque já existem novas resistências a emergir e as que já conhecíamos continuam a crescer. Esta evolução não é favorável.”

Quase meio milhão de mortes prematuras

Os investigadores olharam para os níveis de partículas finas, conhecidas como PM2.5 e cujas principais fontes são a indústria, os automóveis e outras de combustíveis fósseis, para poder avaliar se a poluição atmosférica estaria ou não ligada à resistência aos antibióticos. Apesar de ser confirmada esta ligação, a equipa de cientistas não investigou o porquê desta ligação.

Ainda assim, ao analisarem 116 países, os investigadores notaram que a resistência aos antibióticos é particularmente grave no Norte de África, no Médio Oriente e Sul da Ásia – pelo contrário, a Europa e a América do Norte têm os valores mais baixos de resistência aos antibióticos. As estimativas dos investigadores, que juntam dados da Organização Mundial da Saúde, da Agência Ambiental Europeia e do Banco Mundial, apontam ainda para cerca 480 mil mortes prematuras em 2018, associadas à resistência aos antibióticos e como possível resultado da poluição do ar – aos quais se juntam quase 360 mil milhões de euros em prejuízos económicos devido a estas mortes.

O impacto do número de mortes e dos custos económicos deste duo de poluição do ar e resistência aos antibióticos é reforçado pelas previsões que os autores deste estudo fazem para 2050. Sem quaisquer alterações na política de combate à poluição atmosférica, os níveis de resistência aos antibióticos podem aumentar 17% em todo o mundo até 2050, indicam. Isto significaria também um aumento das mortes prematuras relacionadas com estes dois problemas: das 480 mil mortes prematuras em 2018 para cerca de 840 mil mortes em 2050.

A receita para inverter essa tendência também é dada neste estudo. O aumento da despesa em saúde, o controlo da poluição do ar, a melhoria da água disponível para consumo em todo o mundo e a redução do recurso a antibióticos podem diminuir os níveis de resistência a antibióticos – e evitar as consequências previstas devido a isso.

Os cientistas dão, inclusive, um exemplo. A limitação da exposição média anual a partículas finas para cinco microgramas por metro cúbico, valor recomendado pela OMS, reduziria em 17% a resistência aos antibióticos em todo o mundo, bem como a uma diminuição de 23% no número de mortes prematuras, estimam os investigadores. Ainda assim, de acordo com a OMS, em 2019, 99% da população mundial vivia em locais onde essa recomendação não era atingida – como em Portugal, onde os valores rondam os 7,34 microgramas por metro cúbico.

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