Na despedida: aos que não gostam do Papa Francisco

A Igreja Católica nunca esteve tão aberta à comunidade LGBTQIA+ como agora. O Papa Francisco está a fazer da igreja uma instituição melhor.

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Quem não gosta deste Papa?

Antes de mais, a extrema-direita. O desagrado de quem está na política para apontar inimigos e propagar uma mensagem de ódio e discriminação nota-se de todos os lados. Faz todo o sentido que assim seja. São ideários opostos. As críticas de pessoas ligadas ao Chega e do próprio André Ventura são conhecidas. Ventura chegou a afirmar – numa entrevista ao Diário de Notícias e à TSF de 1 de novembro de 2020 – que “este Papa tem prestado um mau serviço ao cristianismo”. Por sua vez, o Papa alerta para os perigos do crescimento destas forças políticas.

Os católicos mais conservadores também não o apreciam. Um bom exemplo foi a invasão de uma missa para pessoas LGBTQIA+, durante a Jornada Mundial da Juventude, por jovens conservadores católicos que acabaram por ser retirados da igreja por agentes policiais. As bandeiras LGBT estavam presentes na jornada e a mensagem do Papa Francisco é de inclusão destas pessoas na comunidade católica e na igreja, algo que a linha mais retrógrada da igreja não aceita. A contestação destes católicos conservadores foi a única a atrever-se a desrespeitar o culto enquanto ele decorria. Todas as outras contestações foram feitas sem interferir com as manifestações de fé ou cerimónias. Não deixa de ser interessante que a oposição mais radical esteja no seio da própria igreja.

Também à esquerda existe quem não embarque em simpatias para com o Papa Francisco, mas é uma animosidade que seria sentida em relação a qualquer pessoa que ocupasse a sua posição. Aqui, não é pessoal. Se a extrema-direita e os católicos acham o Papa excessivamente progressista e revolucionário, esta esquerda entende que o mais alto representante da Igreja Católica é necessariamente retrógrado. Recordam, por exemplo, que a Igreja Católica continua a não aceitar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. E é um facto.

Mas é uma ideia inconcebível a de que ninguém que faça parte da Igreja Católica merece aprovação. É uma instituição cheia de falhas e buracos negros, mas - usando aqui novamente o exemplo LGBTQIA+ - nunca esteve tão aberta a esta comunidade como agora. Claramente está a fazer um movimento no sentido da aproximação. O Papa Francisco está a fazer da igreja uma instituição melhor. Já agora: convém ter presente que existem católicos LGBT e que estas pessoas querem que a igreja as reconheça plenamente. Não se conformam que se catalogue a Igreja Católica como não aliada e que se desista do caminho que está por fazer. A missa interrompida pelos jovens católicos ultraconservadores é uma concretização da aproximação que tem vindo a existir. Destinava-se apenas a pessoas LGBTQIA+.

Notem que existe outro aspeto que não pode ser ignorado. Este Papa tem um discurso de esquerda no que de mais importante distingue a esquerda da direita: as questões socioeconómicas. É nesta parte que está a ossatura do litígio ideológico. Desvalorizar que este Papa não se coíbe de falar de política e que o faz posicionando-se sempre no lado dos trabalhadores, dos que precisam da redistribuição da riqueza e, de um modo geral, dos mais fracos e criticando o mercado, é dar pouco valor ao que é mais importante. É sobretudo virar costas à possibilidade de entendimento quando existem condições de haver um. O Papa Francisco não é apenas um homem, ele representa uma parte significativa da humanidade.

E depois há a direita tradicional. Simpatizam muito com este Papa e com o seu progressismo. Politicamente têm com ele a mesma relação que têm com a doutrina de Jesus Cristo, ou seja, gostam muito mas não a praticam. Chamam ao radicalismo ideológico de Francisco humanismo e bons princípios de forma a poderem afirmar que não defende valores diferentes dos seus. Apreciam a redistribuição de riqueza, mas pela caridade e ações beneméritas. Não lhes falem em impostos.

O Papa afirmou que “são os comunistas que pensam como os cristãos”. Esta afirmação é uma boa pista para sabermos qual a sua interpretação do Novo Testamento e a que nível eleva a consistência intelectual e política. O que quero dizer-vos é que está certo a extrema-direita e os católicos ultraconservadores não gostarem de Francisco e que as razões que levam a esse desagrado são exatamente as mesmas que deveriam levar a esquerda de que falava a dar-lhe uma oportunidade. Estou convencida de que, também neste quadrante político, a maioria decidiu assim.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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