E assim vai o desporto em Portugal

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O PÚBLICO (2023-07-28), com o título “E assim se faz Portugal”, publicou uma prosa do presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), onde este, servindo-se da cantilena de Fausto, escreveu: “assim se faz Portugal. Uns vão bem e outros mal”. Ora, nos últimos 23 anos, José Manuel Constantino foi presidente da Confederação do Desporto de Portugal (CDP), do Instituto Nacional do Desporto (IND) e, há mais de dez anos, é presidente do COP. Quer dizer, enquanto invariante, Constantino vai bem. O desporto, com os medíocres resultados nos Jogos Olímpicos (JO) e 73% dos portugueses a negarem qualquer prática desportiva, vai mal.

Ao contrário do que Constantino pretende fazer crer, o problema do desporto não está nas altas figuras do Estado receberem as delegações desportivas, envolverem-se nos treinos das selecções nacionais de futebol ou marcarem presença nos eventos desportivos. O desporto, no apelo que faz à criança que subsiste em cada ser humano, na velha tradição britânica, leva muitos políticos a exibir com orgulho o seu currículo desportivo e a rejubilar com as vitórias do seu emblema. Por isso, quando Constantino manifesta uns ridículos ciúmes para com o futebol, sendo o COP, de A a Z, responsável pela preparação e organização da Missão Olímpica, o que se lamenta é que ainda não tenha sido divulgado um relatório a explicar porque é que o futebol não foi apurado para os JO de Paris (2024).

Constantino, agora, defende que a política deve dar prioridade “aos mais fracos, aos mais carenciados, aos mais desprotegidos, aos que necessitam de maiores apoios do Estado”. Por isso, é inaceitável que Portugal, com uma das piores taxas de prática desportiva entre os países da União Europeia (UE), participe nos JO com equipas super-inflaccionadas de mais de 90 atletas para, nos JO de Tóquio (2021), conseguir 3 (0,1,2) medalhas, longe de superarem as 3 (1,0,2) medalhas dos JO de Los Angeles (1984) conquistadas com 38 atletas. Tal como é inadmissível levar uma comitiva de 300 pessoas (208 atletas) aos Jogos Europeus (2023), número que superou os Países Baixos (186 atletas), a Suécia (141 atletas), a Grécia (170 atletas) ou, entre outros, a Roménia (151 atletas). Em resultado, para além de qualquer preocupação de ordem ética ou de uma ideia estratégica que enquadrasse o evento no desenvolvimento do desporto nacional, não foi apurado um único atleta para os JO de Paris (2024) e Portugal, acabou por ficar classificado num medíocre 21º lugar atrás da Eslovénia, da Geórgia, da Irlanda, da Croácia, da Turquia e, entre outros, da Roménia.

A prosa de Constantino recorda-nos uma entrevista de José Lello (1944-2016) ao PÚBLICO (2001-03-23) onde, o então ministro do Desporto, denunciava o discurso dos dirigentes que dizia ser pouco claro, nada rigoroso, que instilava desperdício e despesismo. Ninguém falava com objectividade e, de acordo com uma cultura de factos consumados, tudo ficava no ar. E era tempo de “acabar com as meias-palavras”, pois, “a opinião pública não sabia se os seus impostos estavam a ser bem aplicados”. Em consequência, Lello foi sujeito a comentários de péssimo gosto, entre eles os de Constantino que acusou o ministro de perder “muito tempo em festas e passeios” e, em matéria de política desportiva, até o aconselhou a “estudar” (Record, 2001-07-31). Ora, José Lello, para além do seu cosmopolitismo que ia muito para além da Ribeira de Santarém, apresentava um currículo do ponto de vista académico, político e desportivo, bem superior ao de Constantino.

Ao tempo, António Costa era Ministro da Justiça pelo que assistiu à crucificação de José Lello. Hoje, só pode fazer ouvidos de mercador à cançoneta caraoqueada pelo presidente do COP. E faz bem.

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