Cajadada estratégica

A Glória sorriu porque cumpria um sonho. A irmã advertiu-a que teria de se portar bem e que, se o fizesse, aconselharia o seu nome à esposa do doutor que já fora ministro.

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A tristeza e a apreensão que se juntaram ao carácter intempestivo da Glória não passaram despercebidas a ninguém, assim como a recusa em ir para casa dos tios, apesar das solicitações cada vez mais frequentes. A Glória passou a adoecer nesses fins-de-semana em que a viriam buscar. A irmã gorda, mais ou menos ciente do que se passava no asilo, mandou-a chamar, e deu-lhe uma notícia que, esperava a freira, haveria de a deixar feliz. Uma senhora do Norte, casada com um doutor que já fora ministro, iria em breve visitar o asilo com o propósito de levar uma das meninas para servir na sua casa. A Glória sorriu, porque cumpria um sonho. A irmã advertiu-a que teria de se portar bem e que, se o fizesse, aconselharia o seu nome à esposa do doutor que já fora ministro. A Glória prometeu comportar-se, ser amiga das suas amigas, e, depois da promessa pronunciada em voz alta e tom solene, levantou-se para sair, fazendo umas vénias enquanto recuava até à porta, de tão feliz. A irmã gorda não estava particularmente contente com a solução: fizera o possível, dadas as circunstâncias. Com uma cajadada estratégica, afastava a menina dos abusos da família, ao mesmo tempo que lhe permitia o sonho de servir numa casa ilustre.

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