Entre mulheres, o futebol é mais leal

Nos Mundiais masculinos há o dobro dos cartões amarelos e três vezes mais cartões vermelhos. Nos Campeonatos do Mundo jogados e arbitrados por mulheres o futebol é mais “limpo”.

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Equipa de arbitragem feminina no Mundial 2022 Reuters/MOLLY DARLINGTON
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Os jogos femininos de futebol sugerem que existe, em geral, uma postura mais leal por parte das jogadoras e menor necessidade das árbitras para actuarem a nível disciplinar – quer para cartões amarelos, quer para vermelhos.

Os masculinos, por outro lado, transformam-se com relativa frequência em autênticas batalhas, com agressões, entradas duras, protestos desmedidos e suspensões. Mas será mesmo assim? As estatísticas indicam que sim.

Uma viagem pelos Mundiais deste século, analisando as edições femininas e masculinas, deixa clara a maior ocorrência de acções disciplinares quando o futebol é jogado e arbitrado por homens. Entre mulheres há claramente maior lealdade.

A análise de valores absolutos é injusta, na medida em que os Mundiais masculinos, com 64 partidas, teriam sempre mais cartões do que os femininos, com 52 – e antes de 2015 com apenas 32.

Mas usando valores relativos a conclusão é a mesma: há, em média, o dobro dos cartões amarelos nos Mundiais masculinos. Em matéria de vermelhos a discrepância é ainda maior: são três vezes mais.

Em média, os jogos dos Mundiais de futebol jogados por homens desde 2002 (são seis edições) tiveram cerca de quatro cartões amarelos. Nos femininos, o valor fica-se pelos dois. Nas expulsões, o valor masculino chega aos 0,20 por jogo, enquanto o feminino se fica pelos 0,07.

Deve ser dito, ainda assim, que no sector masculino os cartões vermelhos tiveram uma descida brutal entre os Mundiais 2014 e 2018 – havia uma média de 18 por Mundial nas edições anteriores, mas 2018 e 2022 tiveram apenas quatro em cada prova.

“Com as raparigas dá para ir falando”

As explicações para este fenómeno podem dividir-se entre os prismas físico, futebolístico e até emocional. A conclusão óbvia é a de que as mulheres aplicam menos agressividade nos duelos, medem melhor as acções sem bola e conseguem controlar também melhor os protestos, tratando adversárias e árbitras de forma mais leal.

Uma árbitra portuguesa que dirige jogos femininos e masculinos explica ao PÚBLICO que a diferença entre o nível futebolístico ainda ajuda a explicar parte da questão.

“Como o jogo feminino tem menos velocidade, menos velocidade implica menos força aplicada e menos força leva a menos impacto”, aponta a juíza, sugerindo que um jogo mais lento permite que os contactos mais duros sejam evitados.

Há, depois, o lado humano e emocional da questão. Primeiro, na medida em que, segundo a árbitra, os homens protestam mais com gestos do que as mulheres, que o fazem de forma menos evidente – fica, portanto, mais difícil “justificar” cartões por “bocas”.

Existe ainda a dimensão da frustração, que também é menor na vertente feminina. “Muitas vezes, sinto que os homens ao sofrerem “faltinhas” começam a ficar chateados e fazem faltas parvas e desproporcionais. Com as raparigas dá para ir falando – até não dar”, dispara, entre risos. “As jogadoras por si só não costumam fazer entradas com força excessiva ou negligentes, a menos que estejam a começar a ficar sem cabeça. Quando fazem falta geralmente é porque falhou a técnica e não por maldade”.

“As jogadoras ainda não ganharam as manhas”

Existirá, portanto, uma componente de pressão e mediatismo? Os milhões envolvidos, as televisões presentes e os contratos em jogo serão, em tese, um factor que aporta um maior fatalismo a uma derrota no Mundial dos homens do que no das mulheres. E a árbitra concorda.

“O desporto [feminino] ainda não ganhou essa magnitude. Quando entrei na Federação a primeira coisa que me disseram foi que o futebol feminino parte da base de que as jogadoras querem jogar e querem derrubar todas as barreiras para melhorarem o desporto. Como ainda não temos grande base, ainda estamos a discutir um grande objectivo e, por isso, a preocupação é mais de jogar do que de puramente ganhar”.

“Em Portugal, sinto que as jogadoras ainda não ganharam as “manhas” dos rapazes. De sofrerem falta e atirarem-se para o chão ou fazerem faltas e mentirem. Na Liga BPI já se vê um pouco, mas não é algo próprio do futebol feminino”, conclui.

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