“Projecto familiar de toda uma vida.” Aforista vence Concurso de Vinhos da Beira Interior

De vinhas da família “conquistadas ao granito” em Pinhel os irmãos Cavaleiro fazem o Aforista Reserva branco. O ano de 2021 conquistou o prémio principal do 16.º Concurso de Vinhos da Beira Interior.

Foto
José Ribeiro Brandão (enólogo) e Daniel Cavaleiro (produtor), dos vinhos Aforista, com um colheita tardia na mão, fotografados em Novembro José Sérgio
Ouça este artigo
00:00
05:49

A Aforista Reserva branco 2021 foi o melhor vinho do Concurso de Vinhos da Beira Interior, que se realizou em Junho na Guarda e cujos prémios foram entregues no sábado em Marialva. É uma estreia no concurso, que já leva 16 edições, de "um projecto familiar de toda uma vida", como o descreveu Daniel Cavaleiro, quando o conhecemos em Pinhel há uns meses.

Daniel e o irmão José começaram a sua aventura como produtores engarrafadores em "vinhas e terrenos de família" naquele território há pouco mais de uma década. Há 22 anos plantaram 12 hectares de vinha nova, curiosamente desses 10 hectares eram/são de castas tintas. O enólogo José Ribeiro Brandão, que assina o Melhor Vinho a Concurso da edição deste ano dos prémios organizados pela Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior (CVRBI), colabora "há 17 vindimas com aqueles amigos" mas foi em 2010 que começou a "espicaçá-los" para engarrafarem.

A família Cavaleiro começou por vender vinho a granel, vinho esse que era produzido num "armazém improvisado". Os vinhos Aforista que hoje vemos no mercado (seis referências, incluindo um colheita tardia, e um espumante na calha) são, portanto, um projecto recente. Que, de resto, já tinham ganho outro prémio: em Novembro, o Aforista Beira Interior Colheita Seleccionada 2019 venceu o Grande Prémio na categoria de Vinhos Brancos no concurso do Beira Interior – Vinhos & Sabores.

Foto
Os vinhos Aforistas (Pinhel, Beira Interior) têm seis referências no mercado, incluindo uma colheita tardia, e um espumante na calha José Sérgio

O reserva branco, certificado com Denominação de Origem Beira Interior, com que se estrearam neste concurso leva Síria (a casta mais plantada da Beira Interior), Malvasia Fina, Fernão Pires, Viosinho e Arinto ("o tempero", como descreve o enólogo). O que basicamente compõe o ramalhete de variedades brancas que têm plantadas ("temos também Gouveio, pouco"). O rótulo bem-disposto e ao qual ninguém fica indiferente é um dos dez rótulos que foram pensados e criados pelos jovens do Agrupamento de Escolas de Pinhel quando Daniel e José Cavaleiro decidiram mudar a imagem da marca.

Apesar de produtores e enólogos trabalharem sobretudo com uvas próprias tintas, dois anos, dois prémios, com dois brancos, é caso para dizer que serão avisadas as vozes que teimam em afirmar que a Beira Interior tem um potencial enorme para a produção de vinhos brancos (não só, mas também) frescos e distintos. Nas tintas, a Aforista tem "o trio Odemira", brinca Daniel Cavaleiro – Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz – mas também coisas como Marufo (ou Mourisco, "felizmente", atalha o enólogo), Rufete e Baga ("é um todo-o-terreno, está muito bem adaptada à região").

As vinhas deste produtor foram literalmente "conquistadas ao granito", explica José Ribeiro Brandão, que se lembra de "há uns anos" se dizer por ali que na zona de Pínzio "nunca se plantaria nada", por causa da altitude e do frio. "As vinhas deles não são panos de vinha monótonos. Há calhaus no meio da vinha. E o território aqui [Pínzio, concelho de Pinhel] não é muito arborizado, mas nestes terrenos há pinheiros e carvalhos a envolver as vinhas", detalha o enólogo, que tem "background em viticultura" e foi do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão (onde trabalhou com Vanda Pedroso) para a Beira Interior, onde colabora com outros produtores para além dos irmãos Cavaleiro. José Ribeiro Brandão também assina outro vinho agora premiado, o Souvall Rosé 2022.

A visão das "provadoras" e o "flight de Síria"

Ao contrário de outros concursos, o 16.º Concurso de Vinhos da Beira Interior entrega prémio ao Melhor Vinho a Concurso, sem multiplicar medalhas por categorias. Neste ano, venceu um branco, o da Aforista, "no ano passado foi um tinto", sublinha Rodolfo Queirós. "Creio que, durante as 16 edições do concurso, deve andar 50/50 de medalhas para tintos e brancos", detalha o presidente da CVRBI.

Foto
O escanção e wine educator António Lopes fez parte do júri que avaliou os 92 vinhos no 16.º Concurso de Vinhos da Beira Interior José Sérgio

Além do melhor vinho, houve mais três grandes prémios atribuídos – Melhor Vinho no Feminino, Melhor Imagem e Melhor Imagem no Feminino –, assim como 17 medalhas de ouro e 11 medalhas de prata, num total de 92 vinhos (mais dez do que em 2022), apresentados a concurso por 34 produtores da região.

Porquê atribuir prémios que reflectem a prova e a avaliação apenas das mulheres? "Não é uma coisa sexista, quisemos dar ênfase ao papel que a mulher tem no mundo dos vinhos. Há vinte e tal anos, não era assim, era um mundo de homens." No júri presidido por Aníbal Coutinho, havia sete provadoras e sete provadores, nomes como Alexandra Mendes (presidente da Associação Portuguesa de Enologia e Viticultura), Helena Mira (Escola Superior Agrária de Santarém), Ana Urbano (enóloga das Caves Messias), António Lopes (escanção e wine educator) e Edgardo Pacheco (jornalista e colaborador do PÚBLICO, que, entre outros projectos, ajudou a lançar o Terroir).

Elas elegeram como Melhor Vinho a Concurso no Feminino o Adega 23 Branco 2020 (Indicação Geográfica Terras da Beira) e atribuíram o prémio de Melhor Imagem no Feminino ao Souvall Rosé 2022 (DO Beira Interior). O Bal da Madre Rosé 2022 (DO Beira Interior e biológico) levou o prémio de Melhor Imagem a Concurso.

O Souvall, marca nascida pouco antes da pandemia, é feito por Lúcia e Américo Ferraz, um casal de médicos dentistas com paixão pela terra e que produz vinho em 20 hectares de vinhas em Vale Flor, no concelho da Mêda. Já o vinho Bal da Madre é o primeiro rosado da empresa Miss Vitis.

Questionado sobre a possibilidade de o concurso passar a premiar um trabalho mais dedicado a castas identitárias da região, o presidente da CVRBI partilhou que no futuro o concurso pode vir a ter "um flight [conjunto de vinhos a prova] só de Rufete ou só de Síria", mas, explica Rodolfo Queirós, "para isso acontecer é preciso que haja um número mínimo de amostras". O que facilmente vê acontecer com a variedade branca Síria, caso a Comissão venha a lançar o desafio. "A fazer Rufete 200%, assim de repente, devemos ter só uns oito produtores." Um desses, o Quinta dos Termos Talhão da Serra Rufete Beira Interior Reserva 2019, venceu o concurso do Beira Interior – Vinhos & Sabores na categoria de Melhor Tinto em 2022.

Sugerir correcção
Comentar