Liderar para servir

Sabemos que existem vários estilos de liderança, do autoritário ao transacional. A “Liderança Servidora” é um conceito que rompe com conceitos tradicionais.

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Num recente estudo da Deloitte sobre “propósito” no trabalho, 79% dos inquiridos entre os 25 e os 34 anos consideram este fator na altura de aceitar um novo emprego e 66% já assumiu ter deixado uma empresa por não encontrar uma missão naquilo que faz. Na geração seguinte, dos 16 aos 25 anos, as percentagens passam para 85% e 70%, respetivamente. Os números dizem-nos que o ordenado e a perspetiva de carreira já não são os únicos fatores decisivos.

Quem trabalha em áreas como a Educação ou a Saúde reconhece que a motivação está, muitas vezes, no propósito de servir os outros. Não conheço nenhum médico, enfermeiro ou professor que, por mais esgotado que esteja, não encontre motivação naquilo que faz, nem que seja pelo “ordenado emocional” que recebe de quem serve. Contudo, sabemos que trabalhar nestes setores não é, por si só, suficiente. A liderança assume aqui um papel fulcral na mobilização, retenção e até na felicidade e bem-estar de cada um.

Sabemos que existem vários estilos de liderança, do autoritário ao transacional. A “Liderança Servidora” é um conceito que rompe com conceitos tradicionais. Esta filosofia inverte a pirâmide do poder e coloca as necessidades dos outros em primeiro lugar, ajudando-os a crescer e dando espaço para palavras como “vulnerabilidade” e “envolvimento”. Com isso, a gestão da equipa torna-se mais genuína, verdadeira e altruísta, gerando um sentimento comum de partilha e autenticidade que leva a um melhor desempenho, aliado a uma maior motivação, sentido de compromisso e satisfação.

Embora o conceito seja quase intemporal, a expressão “Líder ao Serviço” foi criada por Robert Greenleaf nos anos 70. Ele acreditava que as organizações e os indivíduos podiam servir e, dessa forma, mudar o mundo. A sua teoria era clara: uma boa sociedade é sustentada através do cuidado e serviço ao outro. Tal como Greenleaf, eu acredito que podemos construir organizações servidoras.

Pode achar-se que a “Liderança Servidora” é um conceito que vive apenas no universo académico, mas muitos de nós temos exemplos deste modelo nas nossas vidas. No meu caso, foi-me ‘ensinado’ pela minha avó, mãe e tias – mulheres extraordinárias, com capacidade de mobilizar toda a família (somos muitos!). Nas várias alturas do ano em que nos encontramos, são elas – já todas com mais de 70 anos – que se mantêm firmes na organização e acolhimento de todos. Não há cansaço que as demova. São líderes porque, precisamente, se preocupam em colocar sempre o foco no serviço aos outros. E de forma discreta e modesta, sem ser o centro das atenções ou reconhecidas pelo que fazem. Hoje vejo esse modelo ‘herdado’ pelos meus irmãos: um neurocirurgião e uma enfermeira-chefe de oncologia que põem a saúde dos que salvam à frente das condições de trabalho com que o fazem, por mais precárias que sejam – do ordenado que recebem às infraestruturas que não têm.

Outro exemplo, como o da Madre Teresa de Calcutá, reflete a filosofia de servir em primeiro lugar. Só depois liderar. Conceitos como empatia, escuta ativa e visão partilhada são a base que constrói este tipo de liderança. Estes líderes promovem a construção de uma comunidade de trabalho colaborativa e solidária. Nas equipas que lideram, a cooperação, a confiança e o respeito mútuo são muito incentivados e, assim, as equipas sentem-se valorizadas e motivadas para contribuir para o bem comum. Este modelo contrasta com a ‘chefia’ dos líderes narcisistas que se governam por – e para – si. Serão mesmo líderes ou antes “chefes” de equipa? Mais: são estes líderes que queremos nas nossas organizações?

Neste novo mundo do trabalho, onde a palavra “propósito” assume cada vez mais peso, questiono se existe alguma organização que não ganhe com mais líderes orientados para os outros. Se aquilo que se pretende são resultados, e quem os consegue são as pessoas, por que não pô-las em primeiro lugar?

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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