Céline, modo de usar

O início da publicação dos manuscritos perdidos de Céline veio reabrir o estranho caso do dr. Destouches.

Foto
Louis-Ferdinand Celine fotografado em 1955 com os seus cães em Meudon, França, onde ficava a casa onde viveu com Lucette Destouches, e onde morreu em 1961 Roger Viollet/getty images
Ouça este artigo
--:--
--:--

Na carta que acompanhava o manuscrito de Viagem ao Fim da Noite (1932) enviado ao editor Gaston Gallimard (que acabaria por perder a corrida para Robert Denoël, por se ter atrasado a responder ao autor), Louis-Ferdinand Céline escrevia ufanamente, e com aquele histrionismo de “poseur” que nunca abandonou, que ia ali matéria “para um século inteiro de literatura”. Não se enganou. A não ser, talvez, por defeito. O século de Céline durará bem mais de cem anos. Repare-se que, a instâncias de Aragon e Elsa Triolet, o casal-fetiche da intelectualidade comunista da época, o livro seria traduzido e publicado dois anos depois na União Soviética (atabalhoadamente, digamos assim, mas essa seria outra história), onde conheceu três edições em russo e uma em ucraniano. Trotsky escreveu uma recensão elogiosa do livro, ainda hoje legível com proveito. Céline parecia estar, portanto, do lado “certo” da História. Foi, aliás, para gozar os direitos de autor (pois não havia outra forma de recebê-los) que o escritor viajou até Leninegrado em 1936, o ano em que publicou em França o seu segundo romance, Morte a Crédito. Viajou sozinho, e contra sua vontade, por ainda não ser casado com aquela que viria a ser a sua segunda mulher. A ortodoxia bolchevique era muito respeitadora de certas virtudes burguesas. Outros tempos. Regressado, escreveu e publicou Mea Culpa, assim entornando definitivamente o caldo. “Todos os Fords se assemelham, soviéticos ou não”, escrevia nesse panfleto arrasador, no qual também afirmava que o comunismo soviético tinha pelo menos a virtude de desmascarar definitivamente o ser humano.

Os leitores são a força e a vida do jornal

O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação que estabelece com os seus leitores.Para continuar a ler este artigo assine o PÚBLICO.Ligue - nos através do 808 200 095 ou envie-nos um email para assinaturas.online@publico.pt.
Sugerir correcção
Ler 2 comentários