A prova dos nove da (in)credibilidade das metas de neutralidade climática

Uma análise das políticas concretas em vez das promessas vazias. Na corrida ambiciosa de redução de emissões, a credibilidade das estratégias de neutralidade climática anunciadas tem sido contestada.

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Em 2015, após um longo impasse de negociações, finalmente (quase) todos os países do mundo harmonizaram as suas políticas e assinaram o Acordo de Paris para garantir um futuro climático seguro no planeta. Na época, respirou-se de alívio.

Pela primeira vez, ambos os países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento comprometeram-se a estabelecer metas climáticas para reduzirem as suas emissões de gases de efeito de estufa (GEE) em função das suas responsabilidades comuns e capacidades diferenciadas. Neste contexto, grandes esforços foram colocados na formulação de estratégias climáticas com metas ambiciosas.

Assim, até à última Conferência das Partes (COP na sigla inglesa) em Sharma el-Sheikh, no Egipto, mais de 60 países anunciaram as suas estratégias de neutralidade climática, ou seja, comprometeram-se em como as suas emissões líquidas seriam nulas até meio deste século.

Neste grupo pioneiro, destaca-se Portugal. Em 2019, fomos um dos primeiros países a anunciar um roteiro de neutralidade carbónica para 2050, apresentando um plano detalhado sobre as medidas necessárias para que as emissões líquidas de dióxido de carbono da economia portuguesa sejam nulas até 2050.

No entanto, na corrida ambiciosa de redução de emissões, a credibilidade das estratégias de neutralidade climática anunciadas tem sido alvo de debate e de uma imensa contestação.

Como acreditar que um determinado país irá cumprir as suas promessas de neutralidade climática, se na última década as suas emissões de GEE não pararam de aumentar e se não existem políticas setoriais nem indícios de ações imediatas para abrandar a tendência crescente das emissões? Como cumprir um compromisso de neutralidade de emissões de carbono e em simultâneo anunciar a criação de um novo aeroporto ou a construção de infraestruturas de gasodutos à base de combustíveis fósseis?

Para tirar a prova dos nove, é importante ir além das promessas infundamentadas e analisar a credibilidade das estratégias divulgadas nos foros internacionais das Nações Unidas à luz de três critérios: (1) o estatuto legal das metas de neutralidade, (2) a robustez dos planos de implementação em diferentes setores e (3) a tendência das emissões nacionais durante a última década.

Diante destes critérios, mais de 90% das estratégias de neutralidade climática anunciadas não são verosímeis e apresentam baixíssima credibilidade, o que nos coloca demasiado longe de alcançar um futuro climático considerado seguro pela ciência.

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Treety/GettyImages

Se pensarmos que apenas as políticas climáticas já atualmente implementadas e as estratégias credíveis serão alcançadas, ou seja, somente 10% de todas as promessas, e o incumprimentos das restantes, as emissões de GEE globais anuais poderão atingir um nível superior a 40 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em 2050, o que é bastante acima da meta de emissões nulas.

Neste cenário, a temperatura média global pode chegar a 2,4°C ou mesmo 3°C acima de níveis pré-industriais no final deste século. Tal é claramente insuficiente para atingir os próprios limites estabelecidos pelo Acordo de Paris, que reforça a necessidade de estabilizar a temperatura média global abaixo de 2°C e idealmente 1,5 °C até 2100, relativamente aos níveis pré-industriais.

Num futuro com um aquecimento global de 3°C, teremos em Portugal impactos climáticos irreversíveis associados à degradação do solo, maior incidência de ondas de calor, padrões de pluviosidade incertos e períodos de seca cada vez mais acentuados.

A implementação de políticas climáticas concretas no curto prazo é fundamental para atingir as promessas das estratégias de neutralidade climática. Para tal, a consideração de três princípios é essencial: (1) as estratégias anunciadas no âmbito internacional devem ser legalmente vinculativas na jurisprudência nacional de cada país, (2) as políticas domésticas e os planos setoriais devem ser condizentes com as estratégias anunciadas, e (3) as ações climáticas de curto prazo devem evidenciar o declínio imediato das emissões.

A definição de estratégias de longo prazo para a redução efetiva de emissões de GEE no imediato é um desafio complexo, com incertezas e ambiguidades que necessitam de uma abordagem abrangente. Promessas vazias de estratégias de neutralidade climática infundamentadas e sem evidência de políticas concretas apenas criam ruído nas negociações climáticas e não entregam os resultados necessários para garantir um futuro seguro no planeta.

A credibilidade das metas de neutralidade climática é crucial para o sucesso das políticas de mitigação e adaptação e é fundamental que os decisores políticos desenvolvam planos nacionais de curto prazo. Em vez de promessas vazias para um futuro distante, é tempo de propor metas climáticas verosímeis, legalmente vinculativas e sustentadas por medidas setoriais que se traduzam na diminuição imediata de emissões.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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