“Hungrexit” para ontem

Um radicalismo recheado de hipérboles atrás de hipérboles que caracterizam o regime de Viktor Órban como um fascismo moderno, banalizando o próprio conceito de fascismo.

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Megafone P3: Hungrexit para ontem EPA/Szilard Koszticsak
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A situação vivenciada na Hungria, estado-membro da União Europeia — importante reiterar — tem protagonizado múltiplas notícias nos últimos meses, na sua grande maioria pelas piores razões. Ocorrências como a renovação de acordos energéticos com a Rússia demonstrando, claramente, a sua posição na guerra; a perseguição aos direitos LGBTIQ e a minorias, bem como de migrantes, e a ínfima liberdade de expressão, levaram o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia a considerar a Hungria como uma “autocracia eleitoral”, rejeitando qualquer tipo de réstia de democracia plena em território húngaro.

A questão que aqui se prende é justamente pela categoria a que a Hungria, de momento, se insere e a criação de populismos baseados em interpretações erradas do que realmente se passa na e com a política nacional húngara.

Por um lado, um radicalismo recheado de hipérboles atrás de hipérboles que caracterizam o regime de Viktor Órban como um fascismo moderno, banalizando o próprio conceito de uma forma tremendamente grave. A palavra "fascismo", por si só, nunca deve ser utilizada em vão nem se deve associar para descrever regimes de extrema-direita e, por consequência, autoritários. O seu emprego de ânimo leve leva à descredibilização do próprio conceito e regime opressor, assim como à descrença de que já existira, realmente, fascismo na História.

Do outro lado da moeda, os fortemente apelidados como revisionistas, apoiantes de regimes severamente nacionalistas, classificam o seguimento da política nacional húngara como um regime perfeito ao qual todos os restantes estados-membros da União Europeia, por efeito dominó, devem seguir de forma exemplar. Uma das políticas modelo transversal a qualquer época histórica é o aspecto da imigração.

A imigração, por incrível que pareça, consegue unir opostos do espectro político com os mais diversos argumentos imigração zero abarcando, sempre, o simbolismo que a defesa pela nação acarreta. As fortes políticas de imigração levadas a cabo e almejadas pelo Governo de Viktor Órban são interpretadas por estes grupos partidários como práticas padrão a fim de manter a cega concepção de que o Ocidente é um espaço exclusivo e assim deve permanecer, ainda que, em plena globalização, fazendo permanente distinção entre o "nós" e o "outro”.

A Hungria, assim sendo, funciona como uma excepção à regra. É necessária à União Europeia. E, simultaneamente, é o completo inverso das principais bandeiras e directrizes que dão vida e regem a União Europeia. Conquanto, a sua singularidade não se cinge apenas no papel que representa e presta na União Europeia. Prende-se, antes de tudo, pela sua especificidade ideológica e pela tentativa de pioneirismo nacionalista proveniente de Leste que tenta instalar na Europa desde o início do mandato de Viktor Orban.

O certo é que, em qualquer Estado representado e governado por um partido político populista, o resultado a longo prazo é o definhamento dos princípios democráticos, traindo os ideais liberais que devem estar sempre presentes. A Hungria, forte defensora do antigo grupo de Visegrado, também pela sua incontestável corrente histórica, apresenta um nacionalismo mais forte que não deve ser combatido, mas sim controlado para evitar erros fulcrais como aqueles que têm acontecido com a passagem dos vários projectos de lei inconstitucionais.

A preferência por acordos bilaterais com o intuito de evitar o ajuste em decisões por maioria — ao contrário do que acontece nas instituições - também é outro factor que permite a Hungria ser um caso excepção. É, aliás, uma das maiores vontades do estado-membro: alterações à EU como a conhecemos, acrescentando alguma soberania nacional de forma a evitar federalismos a todo o custo.

Não é preciso ser-se perito em direito da União Europeia, em diplomacia ou em política internacional para chegar à conclusão de que o lugar da Hungria na União Europeia não é merecido e deve ser revisto.

Apesar de as realidades burocráticas e combinações políticas terem bases bem mais complexas que impossibilitam a Hungria de ser expulsa da nossa instituição, é seguro afirmar que não é um estado-membro bem-vindo por não representar interesses comuns e praticar constantes ataques aos valores democráticos a que estamos habituados.

E não: não é um regime conservador, não é um regime patriota, não é um regime fascista, não é um regime populista. É um regime atípico que engloba ideias e factores de todos os regimes, tornando-o, ímpar e, por isso, perigoso.

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