Doações por arredondamento: por que temos cada vez menos paciência para elas?

O convite à microdoação (o famoso “arredondar a conta”) está a tornar-se cada vez mais comum em marcas de retalho — que vêem a acção como uma forma de melhorar a sua reputação.

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Doações por arredondamento: porque é temos cada vez menos paciência para elas? Clay Banks/Unsplash

“Gostava de arredondar o valor da sua compra e doar à caridade?” Recentemente, muitas pessoas têm tido de responder sim ou não a esta questão quando estão a pagar na caixa. Seja para ajudar a Ucrânia, as vítimas do sismo na Turquia e na Síria, ou para uma “pequena mudança” positiva na vida de crianças e adolescentes hospitalizados (como é o caso da Pièces Jaunes).

As quantias — poucos cêntimos — podem parecer irrisórias. No entanto, a microdoação (ou arredondar a conta) está a tornar-se cada vez mais comum em marcas de retalho — que vêem a acção como uma forma de melhorar a sua reputação. Esta forma de doar já angariou mais de 50 milhões de euros em França, desde 2010.

Alguns clientes consideram que é uma forma fácil e indolor de doar para a caridade. Ainda assim, pedir-nos uma doação de cada vez que vamos à caixa pode tornar-se exasperante. Em vez de proporcionar uma oportunidade de mostrar generosidade, pode tornar-se um motivo de embaraço, culpa ou mesmo mau temperamento — quando temos que dizer que não alto e bom som.

Não tenho dinheiro!

Se já sentiste isto quando te pediram uma doação, não estás sozinho. Nos Estados Unidos, o fenómeno é tão conhecido que uma personagem da série South Park riposta quando lhe é feita a solicitação, e, pelo Twitter, espalhou-se a mensagem “Parem de me pedir para doar”.

A partir de um estudo que sugere que há condições adequadas para atrair este tipo de doações — fazendo o pedido através de um terminal de pagamento electrónico, em vez de ser cara a cara, em cadeias específicas, como lojas de desporto ou entretenimento, com grande alcance geográfico —, conduzi uma análise no Twitter para entender, não porque as pessoas doam, mas porque não o fazem. Desta forma, consegui encontrar três causas diferentes para a irritação associada a esta forma de pedir dinheiro.

A primeira é pedir demasiado. Devido aos múltiplos canais através dos quais pedem às pessoas para doar — por e-mail, telefone, pessoalmente, correio, etc — e sítios onde lhes é feito o pedido (na rua, nas caixas de correio, no trabalho, enquanto estão a fazer compras, etc.) potenciais dadores sofrem de uma falta de personalização, uma vez que são arrastados para causas que raramente lhes interessam. Neste cenário, o apelo para doações na caixa do supermercado é mais uma gota num oceano de tortura, desenhado para levar a vítima à loucura.

Em segundo lugar, os dadores que estão cansados sentem falta de reciprocidade neste acordo: porque devo dar se a loja não dá? No nosso estudo, olhando para 706 tweets, as empresas são acusadas de agir de forma egoísta em 61% dos casos, comparativamente com 11,8% dos casos em que é a própria caridade a pedir.

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Por último, estes consumidores questionam a legitimidade de multinacionais angariarem dinheiro para caridades. Consideram difícil, por vezes, encontrar a diferença entre o apoio sincero de uma empresa em relação a uma causa ou a lavagem de reputação. Geralmente, isto leva a que queiram saber para onde está a ir o dinheiro doado.

No entanto, ao contrário de certas suposições, as empresas que entregam estas doações não recebem nada por isto. Graças a uma ferramenta instalada nos terminais de pagamento, da MicroDON (ou de bancos que investiram em tecnologia de microdoação, como o Banco Popular de França), o dinheiro dado pelos consumidores é transferido de forma transparente para as caridades escolhidas. Em França, em quantias superiores a cinco euros por loja por ano, os consumidores até podem pedir isenção tributária.

Examinando as desvantagens de pedir doações monetárias, permite-nos perceber melhor como adaptar campanhas de angariação de fundos sem levar as pessoas à exaustão. De facto, as empresas deviam ter em consideração os consumidores que não olham para estes arredondamentos da conta para doação com bons olhos.

Por um lado, “consumidores irritados” sentem uma espécie de ilegitimidade por uma empresa se estar a associar a eles numa doação — o que pode prejudicar a forma como vêem essa empresa e a sua vontade de lá voltar. Por outro lado, “dadores irritados”, cansados que lhes peçam dinheiro onde quer que vão, de diferentes formas, sem sequer receberem uma mensagem personalizada, podem simplesmente desistir dos apelos da caridade.

Este estudo, que se propôs a melhorar a experiência de doação à caridade, pode levar-nos a colocar a seguinte questão: no final, porque devemos dar? Porque é que estes cêntimos não são vistos como uma ferramenta de marketing como tantas outras, que é eficaz ou fraca dependendo da empresa? Uma resposta a isto é que a generosidade está associada com muitas outras virtudes, não só para a sociedade, mas também individualmente. O acto de dar aquece-nos o coração, reduz o stress e o risco de ataque cardíaco e permite-nos apreciar mais a vida. Nada menos do que isso.


Exclusivo PÚBLICO/The Conversation
Elodie Manthé é docente de Ciência da Administração na Universidade Savoie-Mont-Blanc

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