Alimentos orgânicos: benefícios autênticos ou aparentes?

Comprar alimentos orgânicos é uma decisão pessoal e não uma recomendação de saúde.

Foto
É muito difícil perceber qual o efeito independente dos alimentos orgânicos Getty Images

Em duas décadas, o interesse em alimentos orgânicos emergiu de um nicho de mercado em países desenvolvidos para uma tendência popular a nível global. A agricultura biológica é hoje praticada em 187 países e as suas vendas alcançaram 132 mil milhões de dólares em 2021. A preferência pela produção orgânica, em alternativa à agricultura intensiva convencional, está principalmente relacionada com a saúde, mas também com a sustentabilidade ambiental e convicções éticas (bem-estar animal) e sociais (remuneração justa).

Os consumidores de orgânicos valorizam mais o impacto na saúde, a produção local e a ausência de contaminantes, e são menos sensíveis à conveniência e ao preço do alimento. A designação “orgânico” apenas informa sobre o método de produção, mas induz as pessoas a inferir benefícios para a saúde. A credibilidade atribuída a estes alimentos é tão grande (uma espécie de “aura”) que faz com que as pessoas se sintam melhor apenas por comprá-los. Aliás, basta rotular um alimento como orgânico — mesmo não o sendo — para que seja percecionado como mais saudável, menos calórico e mais saboroso (o que não se confirma em provas cegas) e para predispor os consumidores a pagar mais por eles. Mas serão os alimentos orgânicos efetivamente mais saudáveis ou apenas assim percebidos?

Se considerarmos que ser mais saudável é ter maior riqueza nutricional, concluímos que não há diferenças significativas entre produtos orgânicos e convencionais. O teor de vitaminas e minerais dos vegetais depende mais de outros fatores, como o solo, do que do tipo de produção. Geralmente, os orgânicos possuem uma maior concentração de antioxidantes, mas a diferença depende do alimento. A carne e o leite orgânicos têm menos selénio, iodo e colesterol e mais ferro, vitamina E, β-caroteno e ómega-3, mas as diferenças são irrelevantes. Por exemplo, um litro de leite gordo orgânico tem mais 56% de ómega-3 do que o convencional (78 vs. 50 mg), mas são precisos 24 litros para igualar o teor presente em 100g de sardinha.

Não surpreende, pois, que os níveis plasmáticos de carotenos, enzimas antioxidantes, polifenóis, vitamina C e licopeno sejam semelhantes entre consumidores. Para melhorar o estado nutricional é mais eficiente trocar a alimentação ocidental pela mediterrânica do que alimentos convencionais por orgânicos.

Foto
Figueira, em Abreiro, Mirandela ADRIANO MIRANDa

A alimentação é a principal via de exposição a pesticidas e, geralmente, quem consome mais orgânicos tem níveis urinários mais baixos dos seus resíduos. Com efeito, na agricultura orgânica são autorizados menos pesticidas e está proibido o uso dos sintéticos. Contudo, ser natural não significa necessariamente ser melhor (a rotenona é um pesticida natural cujo uso foi banido recentemente por provocar doença de Parkinson em animais) e é importante distinguir perigo (presença) de risco (dose de exposição).

Apesar de ser mais frequente detetar-se resíduos de pesticidas em alimentos convencionais do que em orgânicos (40,3% vs. 18,4%), os limites máximos aceitáveis raramente são ultrapassados em ambos (5,1% e 1,5%, respetivamente). E no caso de alimentos orgânicos animais até foi mais frequente a deteção de resíduos de pesticidas (16% vs. 7%) e de incumprimento dos limiares máximos (1,9% vs. 1,2%).

Porém, a presença de resíduos de pesticidas nos alimentos não deve ser usada ​​como argumento para reduzir o consumo. Como declara a EFSA, é improvável que a exposição alimentar a este nível de pesticidas represente um risco para a saúde. Além disso, podemos mitigar o risco com práticas simples como lavar ou descascar os alimentos, que reduz parcialmente os resíduos de pesticidas, ou cozinhá-los, que os diminui drasticamente (de 18 a 100%). Estes cuidados são importantes, pois a presença de elevadas quantidades de pesticidas pode desvanecer o benefício dos vegetais na mortalidade e na doença coronária.

A outra face do uso limitado de pesticidas na agricultura orgânica é o maior risco da contaminação por microrganismos ou micotoxinas, acrescido pelo uso de fezes animais como adubo. Ainda que não seja inequívoco, a contaminação parece ser mais frequente em alimentos orgânicos, como foi observado em alface, aveia, puré de maçã e cereais em Portugal. O maior surto de doenças transmitidas por alimentos na Europa, onde morreram 53 das 3950 pessoas afetadas, foi causado por toxinas produzidas por bactérias Escherichia coli O104:H4 presentes em rebentos de feno-grego orgânicos.

Está solidamente demonstrado que o consumo de fruta e hortícolas está associado a redução do risco de doenças cardiovasculares, alguns tipos de cancro (fígado, cólon, pulmão, mama e estômago), doenças pancreáticas, asma, diabetes, fratura da anca, cataratas e depressão. O que ainda não se sabe é se os vegetais orgânicos conferem uma proteção adicional. Os estudos observacionais indicam que uma alimentação com mais vegetais orgânicos se associa a um menor risco de diabetes, obesidade e síndrome metabólica, sendo menos consensual o impacto no risco de cancro.

Foto
Diferentes tipos de alface Paulo Pimenta

Contudo, é muito difícil perceber qual o efeito independente dos alimentos orgânicos, pois aqueles que os consomem são mais conscientes com a saúde, têm maior nível de educação, comem mais fruta, cereais integrais, leguminosas, frutos gordos e hortícolas e menos refrigerantes, doces, bebidas alcoólicas, carne transformada e leite, têm menos obesidade, são fisicamente mais ativos, fumam menos, e é mais provável que sejam vegetarianos e vivam em zonas rurais.

Em conclusão, não se pode afirmar categoricamente que os alimentos orgânicos são mais nutritivos ou mais saudáveis. Comprar alimentos orgânicos é uma decisão pessoal e não uma recomendação de saúde. Transmitir uma mensagem pública de superioridade dos orgânicos ou de desincentivo do consumo dos convencionais pode ser contraproducente, pois poderá resultar numa redução da ingestão, sobretudo pelos mais desfavorecidos, devido ao maior preço. E isso seria lamentável considerando que mais de metade dos portugueses não come os 400g de vegetais recomendados por dia. Portanto, coma mais vegetais, convencionais ou orgânicos. Ambos melhoram a sua saúde.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários