Também nos vinhos, há quem confunda elegância e simplicidade

Felizmente que ultimamente têm surgido mais vinhos tintos neste estilo elegante (e não simples), que a mim pessoalmente me tem agradado mais. A oferta pela parte dos produtores será cada vez maior.

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Martta Reis Simões escreve n'O Vinhos dos Outros sobre uma tendência que parece ter vindo para ficar: tintos leves e muito finos Sérgio Azenha

Quando pedem a um enólogo para falar de dois vinhos, a tarefa não é fácil, inevitavelmente, começam a fervilhar vinhos no pensamento. Nós, enólogos, provamos muito vinho em várias e diferentes circunstâncias, para destacar dois terá de ser algo que realmente gostemos de beber, que é diferente de provar! De uma seleção final de cinco vinhos, acabei por escolher os dois que apresento de seguida.

Quintas do Homem Vale do Homem Loureiro 2021

Quintas do Homem é uma empresa familiar, em Vila Verde, na Região dos Vinhos Verdes. Nos 22 hectares de vinha dispostos no vale do Rio Homem, a aposta foi plantar castas da região, Loureiro, Arinto, Alvarinho, Padeiro, Espadeiro e Vinhão, que com a maestria da enóloga Ana Coutinho são transformadas em vinhos muito francos, todos a expressar e a respeitar a identidade das castas, um trabalho de precisão e dedicação. Fácil de perceber quando provamos o portefólio todo, todos diferentes, elaborados de modos distintos, fruto da experiência e ensaio constante da aguerrida Ana, exigindo sempre a pureza, finess e elegância.

Destaco o Vale do Homem Loureiro, um vinho autêntico que não se fica simplesmente pelos traços florais e frutados diretos muito típicos de Loureiro. A maceração pelicular, o trabalho de bâtonnagepré-fermentativo e pós-fermentativo eleva-o a outro patamar, onde os aromas a flor de laranjeira se imiscuam com aromas mais sérios e enigmáticos. A boca proporciona uma experiência de vivacidade, ou não seria esta casta plantada em solos graníticos, em sintonia com a subtileza do trabalho de bâtonnage.

João Cabral de Almeida Líquen Alfrocheiro 2020

Há já alguns anos que a minha interpretação dos vinhos tintos segue uma linha mais fresca com primazia pela fruta, harmonia e elegância na boca, um grande vinho tinto não tem de ter um álcool elevado, uma extração excessiva ou um notável aroma a madeira, por exemplo. Uvas tintas vindimadas com 12,5 a 13 graus podem dar origem a vinhos elegantes quer no nariz, quer na boca, e que, ao contrário do que se possa pensar, não têm necessariamente de ser taninosos ou verdes, a harmonia já vem naturalmente da vinha! E como me disse o João Cabral de Almeida e muito bem, “as pessoas confundem simplicidade com elegância”.

É exemplo disto o Líquen Alfrocheiro do projeto pessoal de João Cabral de Almeida. Provei o vinho com o próprio João, surpreendeu-me logo o nariz, uma fruta muito concisa. Este vinho surge de uma vinha com cerca de 40 anos na sub-região de Silgueiros numa encosta virada para a serra da Estrela, daquelas que o João procurou para exprimir o sentido de lugar.

Nunca lá fui, mas os aromas mentolados, de bosque, de cedro, fazem-me acreditar que a vinha é envolvida por árvores deste tipo, característica nos vinhos tintos que aprecio muito. O Alfrocheiro é fermentado espontaneamente, sem engaço, em lagares de inox e barricas abertas, o estágio de quase dois anos em barricas de carvalho francês usadas nota-se de uma maneira muito subtil. É assim num todo um vinho muito fino, com uma leveza que transcende e desafia os dogmas da enologia.

Felizmente que ultimamente têm surgido mais vinhos tintos neste estilo elegante (e não simples) que a mim pessoalmente me tem agradado mais. Já se nota esta tendência e a oferta pela parte dos produtores será cada vez maior.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico. Este artigo é publicado no âmbito de um desafio lançado pelo Terroir a vários enólogos para escreverem sobre O Vinho dos Outros

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