Aulas online são o último recurso das mulheres afegãs — mas ter Internet é um problema

A administração taliban permitiu que as raparigas estudassem individualmente em casa e não tentou proibir a Internet, que o regime utiliza para fazer anúncios, através das redes sociais.

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Sofia, estudante afegã, tira notas durante uma aula online, em casa, no Afeganistão Reuters/SAYED HASSIB

Em Cabul, Sofia pega no computador portátil e "entra" na aula de um curso de inglês online, organizado por um dos institutos que tentam chegar às raparigas e mulheres do Afeganistão.

Mas quando a professora a chama para ler um pequeno texto, o ecrã do computador congela. "Consegue ouvir-me?", pergunta a jovem, repetidamente, verificando a sua ligação.

Passado algum tempo, o computador volta lentamente à vida. "Como de costume", uma colega igualmente frustrada com a má ligação suspira à medida que a turma volta ao trabalho.

Sofia, 22 anos, faz parte de uma corrente crescente de raparigas e mulheres afegãs que encontram online o último recurso para contornar as restrições da administração taliban à escola e ao trabalho.

Os taliban, citando aquilo a que chamam problemas, incluindo questões relacionadas com o vestuário islâmico, fecharam as escolas secundárias femininas, proibiram o acesso às universidades e impediram a maioria das mulheres de trabalhar em organizações não-governamentais. Mas uma das mudanças mais marcantes desde que os taliban estiveram no poder pela primeira vez, de 1996 a 2001, é a explosão da Internet.

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Sana, uma professora afegã, lê um livro antes de iniciar uma aula online.

Praticamente ninguém tinha acesso à Internet quando os taliban foram forçados a abandonar o poder nas semanas após os ataques de 11 de Setembro de 2001, contra os Estados Unidos. Duas décadas depois, 18% da população tinha acesso à Internet, segundo o Banco Mundial.

A administração taliban permitiu que as raparigas estudassem individualmente em casa e não tentou proibir a Internet, que o regime utiliza para fazer anúncios através das redes sociais.

Mas as raparigas e as mulheres enfrentam uma série de problemas, desde cortes de energia, Internet extremamente lenta, e também o custo dos computadores e da wi-fi num país onde 97% das pessoas vivem na pobreza.

A escola online de Sofia, a Academia Rumi, viu o número de matrículas aumentar de cerca de 50 estudantes para mais de 500, depois de os taliban terem tomado posse em 2021. A maioria das novas estudantes são mulheres.

A escola recebeu mais centenas de candidaturas mas, por agora, não pode abrir novas inscrições devido à falta de fundos para professores e para pagar o equipamento e pacotes de Internet, disse um representante da academia.

“Muito difícil”

Sakina Nazari tentou assistir a uma aula virtual a partir de casa, no oeste de Cabul, depois de ter sido forçada a deixar a universidade, em Dezembro. Mas abandonou-a frustrada, depois de muitos problemas com a Internet.

"Não dava para continuar", disse. "É demasiado difícil aceder à Internet no Afeganistão e por vezes temos meia hora de ligação em 24 horas".

Ookla, empresa com sede em Seattle que compila as velocidades globais da Internet, coloca a Internet móvel do Afeganistão como a mais lenta de 137 países e a Internet fixa como a segunda mais lenta de 180 países.

Alguns afegãos começaram a apelar a Elon Musk para introduzir o serviço de Internet via satélite Starlink no Afeganistão, tal como fez na Ucrânia e no Irão, publicando pedidos de ajuda no Twitter. Os porta-vozes da SpaceX não comentaram a situação.

Daniel Kalmanson, porta-voz da University of the People, uma universidade online que recebeu mais de 15 mil candidaturas de raparigas e mulheres afegãs, disse que as estudantes podiam assistir a palestras sempre que as condições o permitissem, e os professores estão autorizados a conceder extensões de prazos para trabalhos e exames sempre que os estudantes tiverem problemas.

O grupo sem fins lucrativos Learn Afghanistan, que tem várias escolas comunitárias com aulas à distância, tornou gratuito o acesso ao currículo nas principais línguas do Afeganistão. A directora executiva Pashtana Durrani disse que o grupo também assegurou que as lições estivessem disponíveis via rádio, que é amplamente utilizada nas zonas rurais. Durrani revelou estar a trabalhar com empresas internacionais para encontrar soluções para o mau acesso à Internet, mas disse que não podia dar mais informações.

Sofia comenta que as mulheres afegãs se habituaram a ter problemas ao longo de anos de guerra e que iriam perseverar de qualquer forma. "Ainda temos sonhos e não desistiremos, jamais."

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