Andar não consigo. Transportar-me? Adorava

Há algumas rampas ao longo das ruas: é pena é que sejam para carros entrarem nas garagens e não para scooters, cadeiras de rodas ou até carrinhos de bebé poderem subir.

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Andar? Não consigo. Transportar-me? Adorava Getty Images

Ando há três anos a investigar uma doença por descobrir incrivelmente incapacitante, que me fez começar a lutar pela acessibilidade e pelos direitos das pessoas com deficiência.

Muitas vezes, penso que tenho muita sorte em ter a possibilidade de fazer tratamentos, de ter uma família e amigos que me apoiam incondicionalmente em tudo e que me deixam sonhar. Mas, infelizmente, não chega. Penso também na sorte que tenho em ainda não ter quebrado, de ter vontade para viver à grande, para viver tudo o que me ainda é possível viver. Mas, uma vez mais, a vontade nem sempre é suficiente.

Vivo no centro de Lisboa e é pena perceber que outra pessoa no meu lugar talvez nem saísse de casa porque não há condições nas ruas e isso deixa-me inquieto de uma forma revoltante.

O que eu posso fazer com a minha scooter (aquelas motas típicas de quem tem mais de 80 anos) faz-me os dias, a semana ou até, às vezes, o mês. Saber que consigo ir beber um copo com amigos sem ter de ir de TVDE ou sem ter de chamar alguém para me empurrar a cadeira de rodas é um pilar essencial na força que arranjo para lutar, para mais um dia de dores e tratamentos que não resultam.

Como é que alguém me justifica que tenha de atravessar o Largo do Rato pela faixa dos autocarros porque não há rampas nas passadeiras, só desníveis intransponíveis nos passeios. Há algumas rampas ao longo das ruas: é pena é que sejam para carros entrarem nas garagens e não para scooters, cadeiras de rodas ou até carrinhos de bebé poderem subir. Na maioria das vezes, é uma inclinação tal que nem com muito esforço isso permitem.

Há mínimos olímpicos. Ou paralímpicos, como preferirem. Tenho centenas de vídeos e fotografias que comprovam o que digo. Obras para construir a estação de metro na Estrela? Claro, óptimo! Menos a parte de ocuparem o passeio e fazerem com que eu tenha de fazer o caminho pela estrada, arriscando-me a levar com um carro em cima.

Será que, para pessoas na minha situação, que possam estar mais frágeis, isto encoraja a que sejam activas no mundo e a que não sintam que não pertencem aqui? Não me parece.

Não sou o tipo de pessoa que arranja problemas e não oferece soluções. Prefiro ser aquele que faz parte do plano, que critica e constrói. Tenho milhares de sugestões e opções, mas falta voz a estas pessoas, onde eu me incluo. Estão cansadas e falta-lhes disposição para se revoltarem e lutarem. Será pedir muito poder ter a minha independência junto a casa, sem ter obstáculos a cada passo que quero dar (passos, como quem diz)?

Este Natal fui fazer compras à Rua Guerra Junqueiro, junto ao Instituto Superior Técnico. Acho que nunca me senti tão excluído da sociedade ao longo de três anos de doença. Nenhuma das lojas que quis ver tinha uma rampa. Tinham somente degraus de 15 a 30 cm que me obrigaram a ficar de fora ou a ter quatro pessoas a levantar a minha cadeirinha. Perguntei às gerentes pela futura existência de uma rampa, mas parece que a responsabilidade é da câmara.

Acho que se trata de uma questão de prioridades. Tanto é dado para as trotinetes e ciclovias, por exemplo, e tão pouco para a acessibilidade. É bom relembrar que estas pessoas já têm mil problemas que não podem evitar relacionados com a sua saúde. Não seria melhor tentar atenuar todas estas complicações em vez de tornar o seu dia mais difícil ou até impossível?

Posto tudo isto, fica aqui o desafio para o Sr. Presidente da Câmara, Carlos Moedas, ou para quem da sua equipa trata destes assuntos: escolham um dia para fazerem comigo alguns dos meus percursos diários e pode ser que, assim, finalmente se abram os olhos para o que é essencial, que, neste caso, não pode continuar a ser invisível.

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