Activista polaca condenada por ter enviado pílula abortiva a mulher
Organizações como a Amnistia Internacional dizem que este foi o primeiro caso do género na Europa.
A activista polaca Justyna Wydrzynska, co-fundadora de um grupo que dá informação e ajuda sobre modos seguros de interromper a gravidez na Polónia, onde a lei antiaborto se tornou uma das mais restritivas da Europa, foi esta terça-feira condenada a oito meses de serviço comunitário por ter enviado pílulas abortivas a uma mulher que tinha procurado ajuda.
A mulher, identificada no processo como Ania, queria interromper a gravidez, mas o marido, agressivo e violento, opunha-se, impedindo-a de viajar para a Alemanha para o procedimento, como ela tinha planeado.
Ania contactou a organização de que Wydrzynska é co-fundadora, a Abortion Dream Team, em 2021, “desesperada”.
Depois de a ouvir, Wydrzynska contou que optou pela solução mais segura para Ania: enviar-lhe um conjunto de medicamentos – conhecidos como pílula abortiva – que tinha em casa. Mas o marido de Ania encontrou a embalagem e chamou a polícia. A mulher acabou por abortar – terá tido um aborto espontâneo com o stress do processo, disse o diário norte-americano The Washington Post, que escreveu em detalhe sobre o caso (que teve atenção na América pós-Roe v. Wade)
“Não queria que Ania arriscasse a sua vida dando passos perigosos, já que havia uma solução tão simples e segura do ponto de vista médico”, declarou Wydrzynska, citada pela emissora alemã DW (Deutsche Welle).
“As pílulas que tinha comigo eram o modo mais seguro de terminar uma gravidez na Polónia no momento”, disse ainda.
A organização de direitos humanos Amnistia Internacional diz que este é o primeiro caso do género na Europa. A activista foi acusada pelo crime de “ajudar num aborto”, um crime que é punido com uma pena de até três anos de prisão.
O Governo conservador do país mudou a lei em Janeiro de 2021, passando a permitir interrupções da gravidez apenas em caso de violação (tendo de ser comprovada por uma declaração de uma procuradoria), de incesto, ou de risco grave para a saúde da mãe (mas proibindo-o em casos de malformação do feto).
A prática acaba por ser ainda mais conservadora do que a lei e, temendo acusações, muitos profissionais de saúde rejeitam ou adiam ao máximo o procedimento. No primeiro ano da nova lei, cerca de 34 mil mulheres receberam ajuda do estrangeiro para interromper uma gravidez.
Em Setembro de 2021, esse medo dos clínicos levou à morte de uma grávida, Izabela Sajbor, 30 anos, de choque séptico, na 22.ª semana de gravidez. A equipa médica recusou-se a interromper a gravidez enquanto o coração do feto batesse, apesar de as águas terem rebentado – o motivo que levou a grávida ao hospital – e de as ecografias mostrarem várias malformações no feto.
Quando o coração do feto deixou de bater, Izabela Sajbor foi levada para a sala de operações, mas morreu antes. “O coração dela também estava a bater” foi uma das frases dos cartazes de protesto pela sua morte.
Quatro meses depois, uma outra grávida, Agnieszka T., morreu no primeiro trimestre de uma gravidez de gémeos – a equipa médica que a viu recusou-se a interromper a gravidez depois de o batimento cardíaco de um dos fetos ter parado – porque o coração do outro ainda batia.
“Vamos continuar a fazer isto porque é o modo mais seguro de permitir o acesso a um aborto, especialmente no primeiro trimestre, e salva vidas”, disse Anna Prus, da Abortion Dream Team, fora do tribunal, citada pelo Washington Post. “É uma acção muito simples mas salva vidas, e quisemos mostrar exactamente como é feito.”