Eu vs. ChatGPT

É certo que a tecnologia só pode rivalizar comigo na execução de operações. A escrita como substantivo tem outra parte: as ideias. Essas continuam a ser da exclusiva responsabilidade dos humanos.

Foto
Eu vs. ChatGPT ANGEL SANTANA/Getty Images

É difícil perceber que espaço ocupo no meio da tecnologia. O ChatGPT apresenta-se como um adversário de peso. Escreve mais depressa do que eu e fá-lo de uma forma eficiente. Consegue replicar estilos de outros autores, enganando os mais distraídos, embora tenha um domínio de língua asséptico. Para já, é especialista em inglês; a comunicação em português é nitidamente fraca. No entanto, é uma questão de tempo até que alcance um nível satisfatório.

Quando o fizer, impõem-se duas perguntas: conseguirá suplantar-me e, se sim, quem serei se aquilo que tiver para oferecer à sociedade deixar de ser diferenciador ou relevante? Escrevo porque é o que sei fazer e esta competência confere-me identidade. Há tempo para desenvolver outros interesses, para moldar a personalidade. Mas não quero. Por vezes gosto do que sou.

É certo que a tecnologia só pode rivalizar comigo em temas processuais, na execução de operações. Ora, a escrita como substantivo tem outra parte: as ideias. Essas continuam a ser da exclusiva responsabilidade dos humanos. Os verdadeiros artistas definem-se pelas grandes ideias e pela sua materialização. A inteligência artificial auxilia com esta última. Veio pois democratizar a arte, possibilitando que qualquer um seja artista, que qualquer um escreva. Basta o imaterial.

Chegados aqui, tenho duas reflexões a apresentar de dois filmes, ambos animados, ambos da Pixar. A primeira encontra-se no filme The Incredibles – Os Super-Heróis. Existe uma cena em que a Mulher-Elástica explica ao filho que “toda a gente é especial”. Como resposta, Flecha resmunga: “Isso é o mesmo que dizer que ninguém é”.

Agora a tirada mais optimista. Em Ratatouille, Gusteau, o génio culinário cujo legado impulsiona o enredo, escreve um livro intitulado Qualquer um pode cozinhar, amargurando o crítico gastronómico Anton Ego. Próximo do cair do pano, Ego reconhece que o chef tem razão: nem todos se podem tornar um grande artista, mas “um grande artista pode vir de qualquer lugar”.

Desconheço se a execução das máquinas conseguirá equiparar-se à novidade das palavras de Gabriel García Márquez ou do traço de Vincent Van Gogh. Contudo, sei que ajudará a desenterrar obras e pensamentos de onde quer que estejam escondidos.

Sugerir correcção
Comentar