Substâncias químicas “eternas”: APA diz que amostra do rio Tejo não apresenta toxicidade

Um mapa europeu de zonas poluídas com substâncias “eternas” mostrou vários pontos de contaminação em Portugal. A Agência do Ambiente diz que a amostra do rio Tejo, afinal, apresenta “não toxicidade”.

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Uma das amostras consideradas no mapa europeu das PFAS foi recolhida na freguesia de Muge, junto à Ponte D. Amélia DR

Um mapa europeu de zonas poluídas por substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), divulgado pelo consórcio jornalístico Forever Pollution em Fevereiro, veio aumentar a preocupação em Portugal com os riscos que estes compostos representam para a saúde humana e ambiental. Se a inquietação é legítima – estudos científicos associam parte das PFAS a impactes nocivos –, também é verdade que o ponto nacional de maior contaminação assinalado naquele mapa, na região de Lisboa, afinal apresentava não toxicidade”. Confuso? Então vamos por partes.

Portugal figurava na cartografia do projecto Forever Pollution com vários pontos onde a contaminação por “PFAS foi identificada como igual ou superior a 10 nanogramas por litro de água (ng/l)”, distribuídos do Minho ao Alentejo. Um deles, referente a uma amostra colhida na freguesia de Muge, concelho de Salvaterra de Magos, apresentava um valor aparentemente altíssimo: 3200 ng de “concentração de PFAS por litro/quilo”, de acordo com o mapa divulgado pelo The Guardian. Este diário britânico integra o consórcio de jornalismo investigação, juntamente com o francês Le Monde e outros meios de comunicação social.

Comparado com as demais amostras recolhidas em território nacional, o valor atribuído à freguesia de Muge parece (e é) muito elevado. Uma amostra colhida à superfície de um rio em Vila Nova de Famalicão, em 2018, por exemplo, apresentava uma concentração 80 vezes menor de PFAS. Contudo, as duas amostras têm naturezas díspares: uma se refere à água à superfície e a outra à biota, ou seja, à análise de amostras de peixe. Mas ambas são apresentadas em conjunto no mapa do Guardian, cujo título fala em concentrações expressas em ng/l.

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Mapa europeu, divulgado pelo diário britânico The Guardian, onde foram identificados pontos com concentração de PFAS igual ou superior a 10 nanogramas por litro ou quilo, conforme a matriz da amostra DR

O PÚBLICO contactou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para contextualizar estes valores, assim como os possíveis riscos para a saúde pública. O que explicaria um valor tão elevado de ácido perfluorooctanossulfónico (PFOS, um tipo de PFAS) para as águas do rio Tejo junto à Ponte D. Amélia, na estação 19E/08, na freguesia de Muge?

“Relativamente ao valor de PFOS […], o resultado apresentado não está correcto, pois é indicado que se refere à matriz sedimentos em ng/l, quando deveria ser matriz biota-peixe em microgramas por kg em peso húmido, conforme apresentado na base de dados Sistema Nacional Informação Recursos Hídricos, pelo que se reitera a não toxicidade na matriz biota-peixes”, refere uma resposta por e-mail enviada pelo departamento de comunicação da APA.

Todas as amostras na matriz biota-peixes consideradas pelo projecto indicam a presença de um tipo de PFAS, assim como dos seus derivados, numa concentração que varia entre 160 e 3200 ng/kg. A APA garante que, apesar de as amostras serem positivas para PFOS, “os resultados não ultrapassaram a norma de qualidade ambiental (9,1 microgramas por quilo em peso húmido), a saber, não apresentam perigosidade nesta matriz”. Segundo a agência, as amostras de peixe só indicariam perigo caso apresentassem uma concentração igual ou superior a 9100 nanogramas por quilo em peso húmido. Assim sendo, os resultados de Muge (3200 ng/kg) situam-se numa zona relativamente segura.

O PÚBLICO contactou jornalistas do consórcio de investigação Forever Pollution, que verificaram os números portugueses na enorme base de dados que construíram, confirmando que os valores portugueses para biota devem ser expressos em nanogramas por quilo, a exemplo do que aparece no mapa divulgado pelo Le Monde.

A APA refere que, desde 2016, monitoriza e determina PFOS e derivados tanto na água superficial como nos peixes. “Esta substância é a única que se encontra legislada com normas de qualidade ambiental para as matrizes referidas”, afirma a agência. Além do PFOS, existem milhares de outras substâncias perfluoroalquiladas, usadas em diferentes produtos e embalagens, que não são controladas actualmente.

Peixes são animais-sentinela

Além do Tejo (Salvaterra de Magos, 3200 ng/kg), os resultados da APA relativos à monitorização de PFOS na matriz biota-peixes foram obtidos a partir de amostras de biota recolhidas em águas dos rios Vez (Arcos de Valdevez, 160 ng/kg), Lima (Ponte da Barca, 190 ng/kg), Cávado (Barcelos, 350 ng/kg), Douro (Vila Nova de Gaia, 460 ng/kg), Mondego (Montemor-o-Novo, 240 ng/kg), Sado (Santiago do Cacém) e Guadiana (Elvas, 750 ng/kg).

Após a divulgação do mapa europeu e as subsequentes notícias em Portugal, a Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL) também emitiu um comunicado, na quarta-feira, a assegurar que a água fornecida para consumo humano na região de Lisboa tem “excelente qualidade”. E que o abastecimento cumpre os parâmetros europeus definidos para as PFAS.

As PFAS são compostos sintéticos, usados desde os anos 1940, que possuem propriedades interessantes para diversos sectores da indústria. Como repelem o óleo e a água, são comummente utilizados para tornar os têxteis impermeáveis ou anti-manchas, por exemplo, ou fazer com que as embalagens alimentares não fiquem gordurosas. Também resistem a temperaturas muito elevadas. Estão quase omnipresentes no nosso quotidiano – da frigideira antiaderente ao papel higiénico, passando pelos produtos cosméticos.

Estudos científicos associam as PFAS a problemas de saúde como, por exemplo, o colesterol elevado ou o baixo peso de bebés à nascença. Estas substâncias também representam uma fonte de poluição para o ambiente. Como não se degradam – e daí serem chamadas substâncias químicas “eternas” –, acumulam-se não só nos organismos vivos, mas também nos solos e reservatórios naturais de água. A remediação de terrenos e a limpeza de rios contaminados é possível, mas pode ser muito cara e exigente do ponto de vista técnico.

Animais como os peixes são, por isso, um bom indicador de contaminação em rios e ribeiros. Ainda que o resultado de 3200 nanogramas por quilo não apresente perigosidade à luz da norma de qualidade ambiental (cujo limite seria 9100 nanogramas de PFOS e derivados), este valor indica a presença significativa de um tipo de PFAS no rio Tejo.

“Os peixes são óptimos animais-sentinela para nós, humanos. Funcionam um pouco como os canários para os mineiros nas minas de carvão”, explica ao PÚBLICO Susan Richardson, professora do Departamento de Química e Bioquímica da Universidade de Carolina do Sul, nos Estados Unidos, numa videochamada. Se os peixes apresentam uma grande quantidade de PFAS nos tecidos, isto sugere que as águas também podem estar contaminadas.

Contactada pelo PÚBLICO, a investigadora Ana Belén Pereiro referiu que, em teoria, não seria aconselhável o consumo humano de peixes capturados na zona onde foi colhida a amostra no rio Tejo, na freguesia de Muge. Teríamos ainda de verificar análises mais recentes para perceber se se tratava de “uma concentração pontual”, afirma a investigadora principal do Departamento de Química da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Lisboa.

Ana Belén Pereiro afirmou ainda estar “convencida” de que, com “as novas restrições europeias, as PFAS vão ser monitorizadas” com ainda mais rigor. A União Europeia anunciou em Fevereiro que considera banir esta classe de compostos persistentes, estando a ser elaborada por diferentes países uma proposta para eliminar o uso de PFAS em produtos não essenciais em 2026, ou no ano seguinte.