Turismo sustentável nos Açores: paraíso encontrado ou apenas uma miragem?

O afluxo de pessoas a certos lugares das ilhas é esmagador. É mais fácil caminhar até Santa Maria pela maré baixa do que estacionar nos miradouros durante a época alta.

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Anna Costa

Os Açores: nove pérolas do Atlântico, relativamente desconhecidas, mas que se tornaram mais acessíveis internacionalmente na última década, na sequência da liberalização do seu espaço aéreo em 2015. Procurados por muitos viajantes pela sua natureza bruta e preços baixos — onde mais no mundo se pode nadar com golfinhos, correr ao lado de vulcões activos e ainda desfrutar de um fino por menos de 80 cêntimos? — os Açores têm registado um boom turístico palpável.

De facto, o turismo nos Açores é hoje um motor económico fundamental. Apesar do cocktail de crises que 2022 nos trouxe, o número de visitantes continuou a aumentar, atingindo 65,7% em relação a 2021, com um crescimento semelhante esperado para 2023. A abordagem do Governo Regional aparenta ter sido fruitiva, tendo o arquipélago até se tornado o primeiro do mundo a receber a certificação de destino turístico sustentável. Para os mais alheios, este tipo de turismo difere, em teoria, do tradicional na medida em que procura promover a conservação ambiental e a consciência cultural. Na prática, "turismo sustentável" é geralmente um oximoro.

A natureza isolada e pequena dos Açores torna-os vulneráveis aos impactos antropogénicos e às alterações climáticas, ameaçando o seu frágil ecossistema. A flora e fauna locais estão mal equipadas para resistir a perturbações externas, e os recursos limitados das ilhas estão em risco de utilização excessiva e de esgotamento. Esta preocupação é partilhada por muitos açorianos — eu inclusive, ora não tivesse lá nascido e crescido.

O afluxo de pessoas a certos lugares das ilhas é esmagador, com um caso a causar particular preocupação: o magnum opus de São Miguel, a Lagoa do Fogo. Os locais facilmente concordarão comigo, que é mais fácil caminhar até Santa Maria pela maré baixa do que estacionar nos miradouros durante a época alta. O alto fluxo de pessoas ameaça descaracterizar a reserva natural. Perante isto, qual foi a resposta do Governo açoriano? A sua descaracterização.

Em 2019, o anterior Governo apresentou um projecto de requalificação do miradouro principal da Lagoa que envolvia a criação de um túnel de acesso à cratera e a construção de um edifício para servir de centro de interpretação. Mais tarde, em 2021, o actual Governo apresentaria um plano revisto, eliminando o túnel, mas mantendo ainda uma construção que exigia fundações profundas. Qualquer um dos empreendimentos representava uma ameaça substancial à delicada paisagem natural, susceptível de introduzir contaminantes que poderiam levar a uma eutrofização precoce. A vizinha, Lagoa das Furnas, deveria servir de lembrete ominoso dos riscos da construção e da actividade humana excessiva, onde a eutrofização é já uma constante.

Felizmente, uma petição liderada por vários movimentos cívicos açorianos capturou a atenção do público e a execução do projecto foi recentemente abandonada. O Parlamento regional aprovou no mês passado uma proposta para limitar o acesso à Lagoa do Fogo por shuttle, que deverá entrar já em vigor neste Verão de 2023. Todos os visitantes que queiram lá ir terão de o fazer agora a partir deste meio, um empreendimento que tem o potencial de aliviar o congestionamento no local. No entanto, a regulação do acesso ao interior da caldeira da Lagoa continua a ser uma preocupação, pelo que são necessárias medidas adicionais para estabelecer uma capacidade de carga segura, à semelhança do que foi implementado com sucesso no ilhéu de Vila Franca do Campo.

Embora esta verdadeira batalha tenha tido um resultado positivo, revela uma atitude paradoxal por parte do Governo regional em relação à sustentabilidade. Apesar de proclamar as virtudes do turismo sustentável, as acções da administração açoriana revelaram-se resistentes e mostraram inércia, levando a uma desconcertante dissonância com os seus princípios declarados.

Um notável exemplo deste contra-senso é a contínua aposta do Governo açoriano em atrair navios de cruzeiro para os seus portos. Com cerca de 200 paragens de navios de cruzeiro nos portos açorianos em 2022, e ainda mais previstas para 2023, as reivindicações do Governo regional em privilegiar a sustentabilidade tornam-se ocas. Apesar das garantias dadas pela Secretária Regional do Turismo, Berta Cabral, de que existe um esforço para trazer navios "menos poluentes", a realidade é que a maioria dos navios de cruzeiro funciona maioritariamente com fuelóleo pesado (HFO), o combustível fóssil mais nocivo actualmente disponível, com efeitos devastadores na qualidade do ar, na vida marinha e na saúde humana. A pegada de carbono de um único navio equivale à de 12.000 automóveis, e com mais de 200 navios a visitar anualmente os portos açorianos, torna-se fácil calcular as implicações a longo prazo se tal se tornar frequente.

Ao surgir a proposta de cobrar uma ecotaxa aos passageiros de navios de cruzeiro, prometendo reduzir os danos ambientais provocados pelos mesmos, o Governo opôs-se, alegando que tal medida tornaria os Açores menos competitivos do que a Madeira. Bem, isto não deveria qualificar-se como uma revelação, mas os Açores não são a Madeira. Os arquipélagos são fundamentalmente díspares, tanto nas suas respectivas tendências económicas, como nos seus bens naturais únicos, portanto as autoridades açorianas necessitam de se questionarem sobre que tipo de turismo querem realmente cozinhar nas ilhas. É que não se pode desejar bolo lêvedo e bolo do caco ao mesmo tempo.

É absolutamente imperativo que qualquer forma de turismo nos Açores preste homenagem ao seu património natural único. O charme destas ilhas assenta na sua capacidade de proporcionar uma ligação genuína com a natureza. Há que evitar com rigor estratégias de maximização do número de visitantes e dar prioridade aos desafios reais que os Açores enfrentam.

Como evidência, o sistema de transportes públicos dos Açores encontra-se desactualizado e ineficiente, privando os visitantes de qualquer outra opção que não o aluguer de automóveis. Os horários primitivos e a falta de ligações a muitos locais de interesse são uma fonte de frustração tanto para os locais como para os turistas. Com o potencial de aliviar o congestionamento do tráfego e promover viagens ecológicas, é imperativo que as autoridades insulares reformulem as infra-estruturas dos transportes. Para além disso, há que salientar que as ilhas enfrentam uma crise de poluição premente, com destaque para as beatas de cigarros, que estão a prejudicar tanto os ecossistemas terrestres como marinhos. É necessária encontrar uma abordagem multifacetada, que inclui uma aplicação de regulamentos e sistema de coimas mais rigorosos e a exploração de técnicas inovadoras de reciclagem. Mas, acima de tudo, o cerne da questão deverá assentar nos esforços de educação e sensibilização local.

Antes de exigir o que quer que seja aos de fora, há que primeiro fazê-lo aos de dentro, e incutir um sentido de responsabilidade e consciência na população local. Os Açores estão entre as regiões europeias menos civicamente activas. Sem uma mudança fundamental na mentalidade da população insular, o progresso continuará a ser esquivo.

Um vídeo viral que faz as rondas nas redes sociais posiciona os Açores como o equivalente europeu do Havai. Os dois arquipélagos partilham de facto uma profunda ligação histórica – ainda hoje se come lá malassadas, introduzidas por imigrantes. Todavia, actualmente, o Havai atravessa uma profunda crise de gestão de água, atribuível fundamentalmente ao desenfreado flagelo do turismo excessivo que está a esgotar os recursos insulares e a exercer uma enorme pressão sobre as suas terras. Perante isto, os açorianos devem então ponderar: É este o caminho que pretendemos seguir?

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