Nos olhos de Marcello

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A Doce Vida (1960), de Fellini via John Kobal Foundation/Getty Images

Na minha rua, dia e noite, vejo um homem negro. Segura um cajado e trapos sujos cobrem-lhe o peito. Encontro-o a dormitar, encostado à arvore no relvado onde os cães defecam. Ou ao meio dia deitado, o corpo a desenhar uma recta sobre as escadas do espelho de água sem água. Não sei o seu nome ou de onde veio. Nunca lhe falei, nem sequer amedrontado. De tão omnipresente na rua, julgo que a rua deixou de reparar nele. Passamos pelo seu corpo e voltamos a passar. Ele vê-nos, creio e, por vezes, tenho a certeza que todos o ouvimos. Vão as noites adiantadas na sua pressa, quando ouvimos gritos. É ele, é ele que urra, os seus braços abertos na avenida deserta de carros.

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