O tempo faz maravilhas num espumante e o Vértice RD 2007 é a prova disso

Pergunta-se a Celso Pereira o que é um grande espumante. Resposta: “é um jogo de detalhes num caminho desconhecido e longo”. O Vértice RD 2007 ficou (ainda) mais misterioso.

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O espumante Vértice 2007 RD esteve 14 anos sobre borras nas garrafas que descansaram nas Caves Transmontanas Daniel Rocha

O Vértice RD 2007 é um dos espumantes com mais tempo de estágio em garrafa e actualmente à venda em Portugal: 14 anos (a espumantização só se iniciou em 2008 e o dégorgement ocorreu em 2022). Como se sabe, espumante é um vinho que fermenta duas vezes: faz-se primeiro o vinho base (que se quer neutro, com pouco álcool e muita acidez), para depois, na Primavera seguinte, desencadear-se a segunda fermentação ou espumantização, que consiste, no caso do método clássico, na junção de leveduras e açúcar ao tal vinho base para que este, ao refermentar nas garrafas em ambiente fechado, liberte as tais bolhas deslumbrantes. Espumantizar é, assim, fazer nascer bolhas.

Os aromas, os sabores e a qualidade das bolhas resultam do tempo que o vinho está em contacto com as borras durante o estágio em garrafa e nas caves com temperaturas constantes. Enquanto há açúcar no vinho, as leveduras banqueteiam-se. Quando desaparece o açúcar as leveduras morrem e inicia-se um processo chamado de autólise, que liberta aminoácidos, proteínas e outros compostos que dão a tal complexidade ao vinho.

O grosso dos espumantes em Portugal tem pouco tempo de contacto com as borras (nove meses é a regra), mas existem outras categorias tipificadas por lei. Um espumante Reserva requer 12 meses de estágio, um Super Reserva determina 24 meses e um Grande Reserva ou Velha Reserva atira as coisas para 36 meses. Portanto, um Velha Reserva será sempre mais complexo do que um Reserva. Agora, imagine o leitor um espumante que esteve 14 anos em estágio com as borras e que, por isso mesmo, é um poço de aromas e sabores terciários. É outra loiça.

Este Vértice 2007 RD (explicaremos de seguida o que quer dizer o RD) esteve 14 anos sobre borras nas garrafas que descansaram nas Caves Transmontanas porque os seus autores (Celso Pereira e Pedro Guedes) foram percebendo que o vinho, com o passar dos anos, ganhava tal complexidade que seria interessante prolongar o estágio. De resto, esta edição de 2007 apanha a boleia da experiência com o Vértice 2000 RD.

O dégorgement é um processo crítico na produção de um espumante. Depois do tempo de estágio do vinho com as borras, estas mesmas borras têm de ser expelidas, sendo que a percentagem de vinho que sai da garrafa tem de ser reposta com outro vinho (por regra o vinho de outra garrafa da mesma colheita), que aqui adquire o nome de licor de expedição. Este licor de expedição tem muito que se lhe diga – em particular para a definição do teor de doçura do espumante – e é a última fase que o enólogo tem para definir o perfil de vinho que quer. Para o que nos interessa agora, vale a pena dizer que a data de dégorgement é o momento a partir do qual imaginamos qual o intervalo de tempo ideal para se consumir esse espumante. Esse tempo depende de vários factores (o perfil do espumante, o histórico do produtor e a qualidade da rolha), mas talvez se possa falar num limite de cinco anos.

Espumante sem bolhas não é espumante

Ou seja, o tempo de consumo ideal de um espumante tem de ser considerado a partir da data do dégorgement e não a partir da data em que ele foi espumantizado. Porquê? Porque a intensidade, a riqueza e a vivacidade das famosas bolhas começa a decair a partir do momento em que, no dégorgement, se mete a rolha final – as bolhas perdem-se com tempo e um espumante sem bolhas é tudo menos um espumante.

Se é certo que quanto mais tempo o espumante fica em contacto com as borras melhor vinho teremos, também é verdade que quanto maior for a proximidade temporal do tempo de dégorgement na hora de consumir melhor será o vinho que temos no copo. Portanto, quando se compra uma garrafa de espumante o melhor mesmo é bebê-lo. Em casa, o tempo não lhe dá mais-valia alguma. Isso acontece com outros vinhos e não com uma garrafa de espumante, que, já agora deve ficar de pé e não deitada.

Mais em concreto, se este Vértice de 2007 tivesse sido ‘degorjado’, por exemplo, em 2010 (como Velha Reserva) e provado agora, em 2023, estaria, 13 anos depois, afectado. Com pouco gás, não teria qualquer história. Mas como só foi 'degorjado' em 2022, está muito vivo e complexo. E é aqui que entra a sigla RD. RD são dois caracteres que traduzem a expressão francesa Récemment Dégorgé (recentemente 'degorjado'), enquanto outras casas de Champagne optam pela expressão Dégorgement Tardif (dégorgement tardio).

A colocação da sigla RD no rótulo da garrafa deste Vértice e o registo da data no contra-rótulo (Abril de 2022) é um caso raro em Portugal (uns poucos produtores fazem a menção ao assunto em letras miudinhas no contra-rótulo), mas deveria fazer escola se queremos – e bem – valorizar esta categoria de vinho por cá. Na prática, espumantes desta categoria imitam os Porto Colheita, que têm de mencionar sempre duas datas: a de vindima e a do engarrafamento (no mínimo sete anos depois da data de colheita).

Com a marca Vértice, as Caves Transmontanas são, desde 1989, uma referência na produção de espumantes premium do país, explorando os micro-terroirs de altitude do Douro (Alijó), onde existem condições excelentes para a produção de vinhos base bastante frescos, maioritariamente de castas nacionais, mas também de algumas internacionais (Chardonnay e Pinot Noir).

Como outros enólogos, Celso Pereira destaca o peso do tempo na produção de espumantes invulgares. “Sem tempo, nada feito”, diz-nos. Mas, como ele próprio reconhece, por mais tempo de estágio que haja, sem conhecimento e experiência não se vai a lado algum. E o que é interessante nesta arte é perceber que eles, técnicos de espumantização, conseguem ver num vinho base que para nós é banal algo que poderá dar um espumante extraordinário se for capaz de passar bem por inúmeras fases ao longo de anos.

Eles conseguem imaginar para onde poderá ir o vinho, mas não controlam todas as variáveis. E é por isso que, perante este Vértice 2007 RD, perguntamos o que é para o enólogo um grande espumante. Celso não nos fala em aromas e sabores, mas em processos, porque um espumante é mesmo isso: um processo em contínuo. No fundo, enfatiza, “um grande espumante é um jogo de detalhes num caminho desconhecido e longo". "Nós podemos dominar muitos aspectos, mas, na altura em que espumantizamos o RD, o de 2000 e este de 2007, não sabíamos que eles iriam para estes patamares de complexidade, que só surgem de quando em vez. Só ao fim de muitos anos é que tivemos certezas”, diz-nos o enólogo no mesmo dia em que descobriu uma cuba com um vinho de base Rabigato muito especial, que separou para uma experiência com a qual já está a sonhar a uma distância bem longa.

Este Vértice 2007 RD é que já não é sonho. Em si mesmo é uma festa. O preço é que não é festivo, mas os milagres não costumam acontecer em adegas. Manter um vinho tantos anos em cave tem os seus custos.

Nome Vértice 2007 RD

Produtor Caves Transmontanas

Castas Malvasia Fina, Touriga Franca, Gouveio, Rabigato e Viosinho

Região Douro

Grau alcoólico 11,5 por cento

Preço (euros) 180 (indicado pelo produtor)

Pontuação 95

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova A nossa primeira atenção cai logo na cor, visto que estamos perante tons dourados brilhantes (muito), só possível em vinhos com idade. Do ponto de vista aromático, o espumante está marcado pelas notas terciárias, mas ainda assim a primeira sensação é de maçã oxidada. A partir daqui temos aromas de bolo inglês, torrefação, marmelo, especiarias, frutos secos, folhas secas e por aí fora. A bolha é fina e explosiva (só frescura), com uma mousse cremosa e o regresso, via retronasal, dos descritores anteriores. Este é daqueles espumantes que deve ser provado com calma, visto que o aumento da temperatura revela sempre novos aromas e sabores.

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