A AR também tem as suas linhas vermelhas

A Assembleia da República também evolui e também se adapta, com os seus limites e linhas vermelhas. Deixar a gravata em casa não é um desses limites. Imitar cornos ou usar impropérios é.

A Assembleia da República é a casa da democracia e das liberdades. Tem lugar para todos os representantes dos partidos a quem os eleitores decidem dar o seu voto: à esquerda, à direita, ao centro e nos extremos. O Palácio de São Bento deve ser expressão da soberania do povo. Mas isso não significa que seja uma casa sem regras. O Parlamento tem, aliás, uma linguagem própria, um regimento específico e obedece a uma certa formalidade que perpetua o seu lado mais institucional.

Um dia depois de Manuel Pinho levar os dedos à cabeça para imitar os chifres de um animal em plena bancada do Governo, o acto foi notícia na imprensa internacional, que o considerou "impróprio". No fim do plenário, o então ministro da Economia já tinha perdido o cargo. "Nada justifica este gesto e não é admissível que isto tenha acontecido", disse o primeiro-ministro José Sócrates, anunciando de seguida: "Decidi durante o debate pedir ao ministro das Finanças para que, até ao final da legislatura, assuma as duas pastas."

Anos antes, a entrada de dois novos deputados do Bloco de Esquerda havia causado incómodo generalizado porque os bloquistas não usavam gravata no hemiciclo. A opção era vista como um sinal de desinstitucionalização, mas o BE convivia bem com isso. As frequentes críticas levaram João Teixeira Lopes, numa convenção do partido, a dizer: "Não nos vestirão gravata." Desde então, é frequente ver deputados com outras indumentárias além do fato e da gravata e houve até alturas em que as ditas foram proibidas em ministérios (curiosamente aconteceu no da Agricultura e do Ambiente quando Assunção Cristas, do CDS-PP, o liderou).

Servem estes dois exemplos bem diferentes para mostrar que a Assembleia da República também evolui e também se adapta, com os seus limites e linhas vermelhas. Deixar a gravata em casa não é um desses limites. Imitar cornos ou usar impropérios é. Levantar cartazes com o rosto de uma deputada para protestar contra uma decisão de um grupo de deputados também é. Na Madeira, uma situação parecida suscitou em tempos a expulsão de um parlamentar da sala de sessões.

Ultrapassar essas linhas vermelhas não foi bom para Manuel Pinho como não foi bom para o madeirense José Manuel Coelho. A prazo, também não será bom para o grupo de deputados do Chega, que acredita estar a inovar, mudando a forma de reclamar contra as decisões dos seus pares. No Parlamento, o protesto verbal em linguagem adequada, mesmo que irada, tem a sua força. E o escrito, embora mais silencioso, também. Há que fazer o teste.

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