O preconceito sobre a utilização de jogos para fins sérios

Somos uma espécie que joga, como nenhuma outra. Isto associa-se aquilo que nos torna humanos.

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Jogo de tabuleiro unsplash

Os jogos são a minha ferramenta do dia-a-dia. Quer seja a ensinar como podem ser utilizados para fins além do entretenimento ou a desenvolver os meus próprios projectos para dar resposta aos mais diversos desafios. A maioria dos meus jogos é feita para planeamento territorial, especialmente em contextos urbanos, mas também para apoiar processo criativos, colaborativos e de tomada de decisão. Ou seja, não são propriamente brincadeiras e raros os que podem ser utilizados por crianças. São ferramentas que pressupõem gerar experiências agradáveis enquanto atingirem objectivos. Estas abordagens jogáveis são processos que interessam a quem quer gerar inovação, produzir com qualidade, motivando as pessoas. Logo, algo bastante sério e valioso.

Desde 2014 que lido com jogos aplicados a objectivos sérios. E foram muitas as aventuras. Um dos principais desafios são os preconceitos. Explicar que um jogo pode ser algo sério é difícil, pois a palavra jogo está carregada de conotações negativas, especialmente em Portugal. Primeiro, quando se fala em jogo, pensa-se em apostas ou em vício. Depois, em infantilidade e perda de tempo. Tal como em qualquer preconceito, estamos quase sempre a falar de desconhecimento. Os jogos podem ser isso, mas podem ser muito mais.

Somos uma espécie que joga, como nenhuma outra. Isto associa-se aquilo que nos torna humanos. Aprendemos através das brincadeiras, tal como todos os outros animais, mas depois evoluímos para outros estágios onde as brincadeiras se estruturam através de sistemas de regras e objectivos. É então que criamos jogos. E temos imensos tipos, desde os mais matemáticos e estratégicos, até aos mais narrativos, de contar histórias e assumir papéis, passando pelos jogos de expressão criativa. Toda esta variedade, combinada com dinâmicas de competição e colaboração, apaixonam-nos. Umas pessoas preferem uns tipos, outras outros, mas todos gostamos de jogar. Não gostar de jogar significa que nunca se jogou o tipo de jogo certo para o seu perfil ou que não jogou no contexto adequado. Os designers de jogos, mesmo dos jogos sérios, sabem disto, e motivar as pessoas é parte do seu trabalho, ou não fosse um jogo um sistema de incentivos.

Na prática tenho feito projectos para várias instituições, umas vezes por solicitação minha, associada a questões de investigação, outras porque alguém responsável já ouviu falar do papel positivo dos jogos. A utilização séria dos jogos está a dar os primeiros passos em Portugal. Muita desconfiança inicial e depois muita surpresa. É comum ouvir: “nunca pensei que isto fosse possível”, “conseguimos produzir tanto em tão pouco tempo”, “conseguimos colaborar apesar de todo o caos”, “finalmente conseguimos comunicar efectivamente”, “temos aqui ideias para trabalhar”, “conseguimos tomar uma decisão em conjunto”, “aprendi bastante”, “diverti-me”, “adorei estar com o grupo”, “nem dei pelo tempo a passar”. Se isto não é sucesso, então o que é?

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